COM TRADIÇÕES

Corria os anos setenta do século passado. Era uma cidade sem a agitação comum dos grandes centros urbanos e onde o meio de comunicação ainda era o radio, embora nas casas de alguns plebeus já existissem os falados receptores de Televisão, privilégios que apenas algumas poucas pessoas podiam desfrutar neste fim de mundo. Alem da movimentada pracinha com algumas dezenas de jovens a namoriscar, o cinema da cidade, ao tocar o “tema de Lara” em seu potente alto falante que fazia o som ecoar pela cidade toda, sinal de que a sessão estava para iniciar, continuava sendo uma opção para os enamorados se encontrarem, muitas vezes as escondidas, fugindo do alcance dos olhares vigilantes dos pais. Algumas poucas vezes no ano a opção de lazer mudava com a chegada de um ou outro Circo Teatro que permanecia na cidade por alguns dias, oferecendo diversões e promoções como a seção das moças, onde a mulher acompanhada não pagava ingresso para assistir o espetáculo, porem os grandes recordes de bilheteria destas nômades casas de espetáculos eram os shows das duplas sertanejas tão conhecidos pelos programas de radio das grandes emissoras da capital e que atraiam os fãs de toda a zona rural que na realidade tinha uma população maior que a pacata cidade.

É exatamente assim que se vivia na pequena e pacata cidade interiorana, onde o progresso maluco parecia não interferir na vida cotidiana, num tempo onde a corrida desesperada para acompanhar a tecnologia ainda deixava tempo suficiente para apreciar as coisas bonitas do convívio comunitário, lugar onde a religião ainda norteava os passos de seus cidadãos que, iluminados pela fé, não expulsaram Deus de suas vidas e continuavam trilhando por caminhos seguros, procurando manter vivo o elo familiar, a exemplo da Sagrada Família de Nazaré.

Bons tempos vividos naquele ritmo interiorano, todos os anos a mesma rotina, aos domingos pela manhã, missas na modesta igreja matriz, depois os passeios pela praça, a noite cinema ou mais passeios se a fita não fosse interessante, feriados e dias santos, a mesma rotina dominical, exceto na solenidade de Corpus Christi, quando as ruas centrais da cidade pareciam um formigueiro, pois os alunos da única escola publica, comandados por alguns lideres comunitários, se envolviam no trabalho de preparar a rua para a grande solenidade de Corpus Christi, todos trabalharam alegremente ate altas horas da madrugada e alguns até o raiar do dia, quando ao romper no horizonte os primeiros sinais da aurora, ao mesmo tempo em que vigiam as obras de artes, ainda davam os últimos retoques nos trabalhos de ornamento que levou a noite toda para confeccionar, os sinos da igreja badalam, fazendo ecoar o som pela ruas e vielas da pequena e pacata cidade encravada aos pés da serra chamando os fiéis para a solenidade deste dia santo.

A cidade que dormia, vai aos poucos despertando e os seus moradores, vão admirando o trabalho realizado e que a cada ano se torna mais bonito e criativo, enquanto se dirigem para a matriz, onde terá inicio a Celebração Eucarística para depois saírem e procissão pelas ruas enfeitadas da cidade, por onde o Santíssimo Sacramento, protegido pelo Palio sustentado por seis bastões entalhados em madeira e orgulhosamente ostentados por irmão da congregação mariana da cidade é transladado pelo sacerdote e acompanhados pela multidão de fieis católicos em procissão catando hinos e rezando o terço.

Contrastes do cruel destino, manhã fria de junho, todos devidamente agasalhados, caminham apressado para a missa do esperado dia. Apesar de observarem e vislumbrarem com a beleza do trabalho realizado da noite para o dia, não tinham olhos para observarem a realidade que permeava a cidade, dormindo coberto por um monte de papelão, num canto do coreto da praça, lá estava ele, um mendigo molambento, tiritando de frio, reclamando da noite mal dormida, porem ignorado por todos que mais se preocupavam em fazer suas preces dentro da igreja do que por em pratica a virtudes ensinadas na homilia do velho padre da paróquia. Apenas uma simples historia que se repete rotineiramente pelos séculos dos séculos amem.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 22/06/2011
Reeditado em 29/08/2011
Código do texto: T3051027
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