Meu Avô era um Lobisomen

Quando tinha de 6 a 7 anos de idade, morava no interior do Paraná numa cidade pequena com no máximo 2.000 habitantes. Uma vida simples de gente do interior, regrada de contos e fábulas por todos os lados, histórias verídicas e mentiras rondavam a cidade, mas era gostoso ficar ouvindo aqueles contos intrigantes que nos acompanhavam durante o crescimento. Não só na minha família, mas em todos os cantos da cidade.

As histórias que mais se ouvia era sobre Lobisomen. Apesar de ter medo, adorava quando meus pais e avós contavam sobre esse cachorro/homem ou homem/cachorro, sabe-se lá o que é de verdade, porque nunca vi um na minha frente, e francamente, pelos contos que ouvia nem gostaria de ver.

Mas de todas as histórias a mais intrigante de todas foi a que meu avô me falou e que até hoje tenho em minha mente.

Era uma sexta feira de lua cheia, época de Quaresma, prato cheio para lobisomens vagarem pelos cantos da cidade após a meia noite. Meu avó era dono de um bar que tinha um bom movimento de fregueses e como sexta feira era um dia propício para se tomar uma cerveja e jogar conversa fora, porque à noite em um bar é isso o que acontece, as pessoas jogam conversa fora, bebem, reencontram os amigos, falam sobre os fatos, futebol, casamento, trabalho, enfim, todos os assuntos que um dono de bar teria muito mais capacidade em relatar do que eu. Normalmente, nas sextas-feira era comum meu avô abaixar as portas do comércio já na madrugada do sábado. Esse dia não foi diferente, já era tarde quando meu avô abaixou as portas de ferro, lembro muito bem, pesadas por sinal, com cadeados grandes, não um só, mas vários cadeados na porta. Pensava eu, talvez porta de ferro e muitos cadeados para que o Lobisomen não consiga entrar.

Portas fechadas, era hora de fechar o caixa. Contar o dinheiro, arrumar as mesas, limpar a sujeira mais grossa, sempre com a ajuda de um funcionário que era o balconista nos dias de maior movimento. Sempre pela manhã, antes do bar abrir vinha uma senhora para limpar todos os cantos do bar ficando com cheiro de limpeza e amenizando o cheiro de cigarro e bebida que ficava de um dia para o outro.

Após isso, meu avô se despediu do balconista que seguiu a direção oposta. Lembro que ele tinha que caminhar uns 2 quilometros do bar até nossa casa, pois moravamos juntos, eu, meu irmão, meus pais e meus avós por parte de mãe. Nesse dia, após se despedir do balconista, meu avô teve um mal precentimento, uma coisa ruim o tocou, arrepiando seus cabelos do pé até a cabeça. Não relutou, abriu novamente a porta do bar e foi até debaixo do balcão pegar uma arma que escondia e que só ele sabia onde ficava. Pegou a arma, colocou na cintura e novamente fechou as portas. Coitado do meu avô, sofria para fechar aquelas portas de ferro. Mas tinham que ser de ferro, e bem difícieis mesmo, vai saber, se um dia o Lobisomen tentar abrir, talvez não tenha a força suficiente para ergue-las. Era realmente no que acreditava e para isso compensava o sofrimento do meu avô.

Olhou novamente para o lado oposto, no sentido onde o balconista caminhou e já não o avistando, seguiu o seu rumo para casa. Estava escuro, a iluminação na cidade era precária, o silêncio pairava, só se ouvia o som do vento cortando as ruas sombrias e escuras. Um vento ainda gelado do mês de Agosto. Seu corpo estava arrepiado, mas não sabia se era do vento gelado ou daquela sensação estranha que tinha sentido a minutos atrás, quando se despediu do balconista. Mas tinha que seguir o caminho, estava cansado e o que mais queria era chegar em casa e tomar um banho quente, descansar para no outro dia ter que bem cedo levantar e abrir o bar novamente. Minha vó sempre aguardava o meu avô chegar, já com a água preparada para esquentar o banho, visto que não tinhamos chuveiro elétrico. Essa dificuldade gostaria até de não relatar, pois é difícil imaginar como podemos viver sem chuveiro elétrico. Nesse dia, minha avó estava inquieta, caminhando pela casa, aguardando meu avô chegar. Caminhava de um lado para o outro, com um pijama e uma blusa de lã por cima, parecendo estar preocupada e precentindo algo estranho. Acordei com o barulho e fiquei sem dormir, só escutando os passos de minha avó pela cozinha. Parecia realmente que algo ruim estava por acontecer.

Ainda seguindo pelas ruas escuras e com a mesma sensação de arrepio, meu avô não temia a escuridão, pois sua arma na cintura era a sua fortaleza, era o que te dava segurança. Dizia ele: se algo me acontecer tenho o meu revólver calibre trinta e oito, que cuido com muito carinho e que nunca me deixará na mão.

Seu caminhar era de passadas largas e rápidas, para chegar o mais rápido em casa. Quanto mais ía se afastando do bar e chegando em casa, as ruas ficavam mais escuras e sem nenhuma iluminação, iluminadas somente pela lua cheia que brilhava no céu. Não era sítio, mas nossa casa ficava distante das outras casas, solitária em um quarteirão arborizado, com terrenos vazios e muitos plantio de milho nesses terrenos, pois os proprietários aproveitavam para plantar já que não utilizavam o terreno para construção. Ao chegar em frente de um terreno desses meu avô viu o milharal balançando muito, mas imaginou ser o vento, pois havia aumentado naquele trecho. Mesmo assim parou e ficou observando o milharal, intacto, pois o vento balançava muito forte naquele pequeno pedaço de plantio. Não deu tempo para escapar do ataque daquele cachorro/homem ou homem/cachorro. Ele avançou sobre o meu avô, pulando em seu peito e deixando a mostra suas garras enormes. Meu avô caiu no chão, e o Lobisomen rasgou o seu rosto com as unhas. Eram unhas enormes, acompanhadas de uma enorme mão, pesadas e fortes, peluda e de odor insuportável. Aliás todo o seu corpo era peludo, um pelo marrom escuro, um rosto de fera estava bem a sua frente, quase colado em seu rosto, com a saliva escorrendo pelo canto da boca, parecendo que estava prestes a saciar sua fome, com aqueles dentes enormes e olhos famintos. Com uma força sobrenatural, meu avô conseguiu desvencelhar uma das mãos do Lobisomen e retirou o seu revólver da cintura, disparando contra o bicho, que no mesmo instante soltou meu avô e saiu correndo novamente para dentro do milharal, sumindo da sua vista. Mesmo o bicho já ter desaparecido, ainda deitado ele disporou mais 3 vezes contra as folhas que balançavam no milharal, com o intuito realmente de matar o Lobisomen. Após alguns minutos intacto no chão e com a arma em riste, apontada para o milharal, ele se levantou. Sentiu seu corpo dolorido pela queda, e uma dor mais forte que vinha do seu rosto. Passou levemente a mão na face e percebeu que havia um corte profundo no seu rosto, onde estava sangrando. Mais que depressa, e já quase chegando em casa, começou a caminhar rapidamente, ainda meio zonzo e com o pensamento no Lobisomen, olhando para trás a todo instante para ter certeza de que não estava sendo seguido. Abriu o portão de madeira abruptamente e chegou na porta de frente da casa, batendo com força na porta disse:

- Antonia, abre essa porta. Gritava e batia com força na porta da frente para minha avó, que assustada correu atender os pedidos desesperados de meu avô.

- O que foi meu velho, disse ela com cara de espanto.

- parece que viu uma assombração.

- Pior, disse o meu avô. Tranque as portas e janelas, não deixe nada aberto. Eu escutava do meu quarto, as batidas na porta e a conversa que meu avô, desesperado e com medo, falava para minha avó.

Portas e janelas trancadas, minha avó tratou de cuidar da ferida no rosto de meu avô, que ía contando toda a história para ela, ainda com cara de assustado e que tremia naquele momento, não mais de frio, mas sim de medo do ocorrido. Eu, como sempre como os ouvidos aguçados, estavando tudo o que meu avô relatava para ela. O medo começou a tomar conta de mim, estava no meu quarto escuro e fiquei imaginando aquela cena do meu avô sendo atacado por um Lobisomen. Realmente ele existe, pensava comigo. Puxa, meu avô não mentiria sobre esse assunto, ainda mais com a indagação que ele relatava em detalhes os fatos para minha avó. Foi aí que eu me lembrei de um fator importante e cruel. Todos que matam Lobisomens acabam se tornando um também. E pelo que meu avô relatou ele atirou e estava convicto que tinha acertado no bicho. Meu Deus, pensei comigo mesmo, já tremendo de medo. Meu avô agora se tornaria um Lobisomen.

Depois de algum tempo, quando minha avó já tinha o acalmado, e tratado de sua ferida, eles foram dormir, porém eu não, não conseguia pregar os olhos, acordado e com medo no meu quarto escuro, imaginando a cena e não tirando da cabeça de que meu avô logo em breve estaria se transformando em um Lobisomen nas noites de lua cheia. Era assustador imaginar que logo em breve haveria um bicho peludo dentro da nossa casa. Não conseguia dormir, corri para o quarto da minha mãe, para me proteger do medo que me consumia. Depois de relutar muito, acabei dormindo apertado no meio dos meus pais.

No outro dia pela manhã, quando acordei, o primeiro pensamento que me veio a mente foi a história que meu avô relatou para minha avó. Levantei apressado e fui até a cozinha, quando vi meu avô sentado tomando café. Minhas pernas estremesseram quando vi o corte no rosto dele, ainda vermelho cor de sangue. Como de costume, sentei da mesa para tomar meu leite que minha avó preparava e calado não falei uma palavra com o Lobisomen, ou melhor, meu avô. Só observava. Vi que ele tinha pelos já nascendo pelo corpo, na orelha, nas mãos, nos dedos, etc. Nossa, ele realmente está se transformando já, quando for noite de lua cheia ele realmente vai virar um Lobisomen, todos tinham razão, pensava eu, observando em detalhes meu avô, sem dizer uma só palavra. E foi assim por muitos dias, sentava-se a mesa como de costume e sempre observando meu avô, com seus pelos nas mãos, orelhas, enfim, em todo o seu corpo. Sua ferida já cicatrizando, mas os pelos ali permaneciam, porém tinha um detalhe importante. Tanto à noite quanto de dia os pelos continuavam do mesmo tamanho, não aumentavam. Como poderia não aumentar, pois para ser um Lobisomen pelo menos a noite deveria ser maiores, em maior volume. Ficava intrigado com aquilo. Mas arredio com meu avô, pois pensava que ali por baixo daquele corpo existia um outro, totalmente diferente e com perfil de fera, de cachorro, de bicho, de Lobisomen.

Um belo dia, escutando a conversa de minha avó com minha mãe, eis que de fato descobri o que havia acontecido. Minha mãe também curiosa com a ferida de meu avô e não acreditando naquela história sobre Lobisomens perguntou para minha avó o que de fato tinha acontecido naquele dia. Minha avó sem relutar, disse que meu avô não tinha vergonha, pois bebeu e estava voltando bêbado para casa, quando caiu no chão e se machucou. Para não ser chamado a atenção pela minha vó, pois já não era a primeira vez que aquilo acontecia, inventou toda aquela história para poder se safar da bronca que iria levar. Fiquei com os olhos arregalados e abismado com a verdade que veio a tona, e tirei uma conclusão. Perdi um avô Lobisomen mas ganhei um avô bêbado e mentiroso.

Silvio

Zanca
Enviado por Zanca em 22/06/2011
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