BROCA DO CAFÉ

Carmito e Serrão eram inseparáveis. Nunca trabalharam. Viviam de expedientes, pequenos golpes, enrolos os mais diversos. Bem manjados pela população de Boa Vista, norte do Espírito Santo, os dois estavam passando por dificuldades financeiras.

O último golpe dado pelos dois foi num fazendeiro da região. Carmito, usando um aparelho de Teodolito, colocou o Serrão a uns trinta metros à sua frente com uma régua de cerca de dois metros e meio em sentido vertical. Atrás de Serrão estava edificada uma pomposa casa de dois pavimentos, sede da fazenda cujo proprietário era descendente de italianos. Carmito dava ordens, determinando que Serrão postasse a régua um pouco mais à direita, um pouco mais à esquerda, para trás, para a frente, numa encenação para tentar chamar a atenção de quantos estivessem por perto. Em dado momento, um cidadão, em trajes típicos de quem estava trabalhando na roça, dirigiu-se a Carmito e o cumprimentou um tanto desconfiado. Carmito tomou logo a iniciativa da conversa.

-- O sr. é o proprietário desta bela fazenda ?

-- Sim, sou. Posso perguntar o que o senhor está fazendo aqui ?

-- Pois não, é um direito do senhor. Estou locando a estrada que o governo federal pretende construir até o extremo norte. O senhor não leu nos jornais ?

A convicção com que Carmito falava impressionava o proprietário da fazenda, que acreditou que, realmente, uma estrada seria construída, passando por ali. E o vigarista continuou:

-- Essa bela casa – e apontou com o dedo para a sede da fazenda – será desmanchada, para dar lugar à estrada, mas o senhor será indenizado pelo governo federal. Aliás, as terras também que forem utilizadas serão indenizadas.

-- A casa é que é o problema, pois foi construída pelo meu trisavô e nós a consideramos um patrimônio histórico – disse o fazendeiro.

-- Pois é! É lamentável, mas trata-se de um projeto de interesse federal. E tem mais, o governo indeniza, mas paga o preço que lhe convier e quando quiser. O preço estipulado é sempre baixo e o pagamento muito demorado, como sempre acontece com as coisas do governo.

Depois de muita conversa e embromação, a dupla culminou por tomar um dinheiro do fazendeiro, com a promessa de interferir junto às autoridades federais e mudar o curso da “estrada”.

Temos que tomar uma providência urgente, dizia Carmito para Serrão. Não temos mais dinheiro, a coisa está feia !. Vamos ficar esta noite acordados. Vamos pensar o tempo inteiro.

-- Eu não – disse Serrão. Vou dormir. Sempre durmo de dia, não por preguiça, porque não goste de trabalhar, mas para sonhar e jogar no bicho. Acho que o bicho pode ser a nossa solução.

No dia seguinte, os dois espertos, surumbáticos, sem idéias, tomavam cafezinho, em pé, no balcão do boteco, quando ouviram a conversa de dois cidadãos, ao lado, que girava em torno do extraordinário prejuízo que a broca estava causando aos cafeicultores da região.

Os dois golpistas se entreolharam, estalaram os dedos e se mandaram para o jardim da cidade. Lá, longe de ouvidos curiosos, sentaram num banco e começaram a pensar. Depois de duas horas toda a estratégia de um novo golpe estava delineada.

A dupla era constituída de pessoas simpáticas, educadas, afáveis no trato. Eram pessoas queridas, mas olhadas com desconfiança pela sociedade. Inobstante isso, conseguiu dois avalistas e apanhou um empréstimo bancário.

Dias depois os dois estavam com uma grande quantidade de um pó esbranquiçado, no qual colocaram um produto químico que lhe deixaram um cheiro acentuado. Quantidades enormes de caixinhas foram cheias com aquele pó. Quinhentos gramas cada caixinha. Ajeitaram as caixinhas num pequeno caminhão, que alugaram, e pé na tábua.

Foram para o interior vender o pó milagroso que dizimava sem piedade as brocas que destruíam os cafezais.

Ao final de um dia de trabalho, só restavam quinze caixinhas do produto, quando chegaram numa fazenda, já bem perto do Rio Doce.

Serrano ficou no caminhão enquanto Carmito subiu as escadas da casa. Na varanda foi logro gritando “oi, de casa, com sua licença, posso entrar? Foi recebido pelo dono da casa, um senhor forte, de barbas longas.

-- O senhor deve estar com problemas causados pela broca. Sou representante de uma empresa americana que criou um produto que extermina as brocas com uma só aplicação. Já vendi hoje um caminhão desse produto.

Começou a declinar nomes de fazendeiros que adquiriram o produto. Era uma maneira de dar veracidade ao que dizia. O importante era não deixar o fazendeiro abrir a boca, a não ser para prestar informações de que precisava. Foi assim que soube que na fazenda havia seis alqueires em cafezais.

-- Seis alqueires, portanto o senhor vai precisar de doze caixinhas do produto. Eu tenho quinze restantes. Vou lhe deixar as quinze e cobrar somente doze. Aqui está o meu cartão, vou lhe dar a nota fiscal. Se o senhor tiver qualquer reclamação pode me procurar em Colatina, no endereço constante do cartão, e o seu dinheiro será devolvido com juros e correção monetária. Tudo isso está escrito neste documento que eu lhe entrego neste ato.

Lá de cima, da varanda, gritou para Serrão subir com as caixinhas. Continuou falando o tempo todo. Todas as vezes que o fazendeiro fazia menção de falar, Carmito o interrompia. Foi assim até que o fazendeiro passou-lhe o dinheiro. Imediatamente despediu-se do fazendeiro, desejando-lhe muitas felicidades.

Quando entrou no caminhão, já com o motor ligado, o fazendeiro gritou, lá de cima:

-- Senhor, como este remédio é aplicado ? O senhor esqueceu-se de dizer.

-- É fácil. Pegue a broquinha, abra a boquinha dela e coloque uma pitadinha, bem pequenininha, do pó e solte-a. Já está morta.

O caminhão saiu lixando pneus

levy pereira de menezes
Enviado por levy pereira de menezes em 29/11/2006
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