UM VELHO E DUAS PIRRAÇAS

Recém casado fui residir distante a dez quilômetros do Engenho, numa fazenda que meu pai e eu arrendamos. Entre esta propriedade e outra de grande extensão, havia uma pequena gleba de terras pertencente a uma viúva. Desconheço o motivo, mas o local é conhecido pelo nome de pirraça.

Certo dia ao castrar alguns porcos, e como é comum, um deles foi contaminado pelo tétano. Quando isso acontece a castradura deve ser drenada, um procedimento que exige muita cautela uma vez que se houver qualquer ferimento nas mãos estamos sujeitos a ser contaminados podendo nos levar a morte. Com muito cuidado eu lambuzei as mãos, com azeite de mamonas fiz o procedimento necessário com recomenda a tradição rural neste caso. No dia seguinte dei pela falta do animal.

Veja como Deus usa Deus métodos para nos encaminhar uma missão. O porco que no dia anterior estava quase morto conseguiu escapar do chiqueiro e desapareceu. Sai para procurá-lo desci margeando o córrego, ao atravessar a divisa da mencionada pirraça subi na direção do cerrado por uma trilha mal batida deparei com uma cabana que parecia inabitada tamanha era o abandono. Ouvi alguém tossindo no seu interior e aproximei. Era um senhor, não me era estranho já o tinha visto algumas vezes, há tempos passados, trabalhando na fazenda de um vizinho.

Velho e pirracento ele vivia no seu casebre. Um rancho caindo aos pedaços atolados no meio do mato. Bem na divisória da terra mais fértil com a parte inculta aonde iniciava o cerrado.

Alguém o cedera o local para que construísse ali o seu casebre. Do lado de cima uma estrada quase sem movimento, ao fundo frente à sua porta sinais de outra, uma velha estrada que no passado serviu aos carros de bois que por lá transitaram, abandonada e tomada pelo capim gordura consorciado com o provisório, empobrecendo ainda mais aquele cenário desolado.

Seu nível de pobreza estava muito abaixo de zero. Um girauzinho de quatro estacas com travessas de madeiras roliças sem cascar amarradas de cipó sustentavam um forro com as mesmas madeiras; encimando um trapo do que parecia ter sido um colchão de algodão tecido no tradicional tear, recheado de palhas de milho remoídas e imundas. Uma fornalha servindo de fogão também construído sobre um pequeno girau idêntico ao seu leito. Um pote preto tampado por um disco de madeira sobre ele um copo de lata. Um galão usado para óleo lubrificante reaproveitado com alça de arame, duas ou três panelas pretas, dois pratos esmaltados corroídos, alguns talheres carcomidos pela ferrugem, algumas cuias e coités pendurados aqui e ali. Tudo isso pretejados pelo verniz que a ação do tempo incumbido de aplicar naqueles míseros utensílios domésticos. Suas ferramentas ainda em bom estado era o que resumia no melhor de seu patrimônio. Assentado num pilão velho e desgastado pelos anos de uso estava aquele espectro de gente. Nada de alimentos, em seu fogãozinho não Havia sinal de fogo, parecia que há dias estava apagado. Apenas um pouco de água no tal galão, buscada por ele no córrego distante a quase meio quilometro na dita trilha pela qual eu subi.

Um pouco acima dois casebres em melhores condições, ocupados por alguns familiares, que segundo afirmavam estavam proibidos por ele de freqüentar seu rancho. Perguntei-lhe como estava passando ele respondeu: - muito mal, tem oito dias que não consigo sair para arrumar trabalho. - E seus filhos? – meus fios nunca liga pra mim não, mais tamem é tudo danado de pobre num pode fazê nada, só tive fia muié mora tudo longe.- E ocê que qui ta fazeno aqui? – estou procurando um porco fugido!-Onte eu vi ele na berada do corgo inté parece qui ta capado de novo! – Isso mesmo. -Ocê pode vortá qui ele vai chegá La, se já num tivé chegado!

-Tudo bem, vou buscar alguma coisa para o senhor alimentar... Percisa não num dô conta de cumê nada. Então lhe trago um pouco de leite! Isso inté quieu aceito. Voltei a casa, por incrível que pareça o porco estava lá de fato, deitado perto chiqueiro, eu o prendi. Contei a minha esposa a história, ela preparou um mingau de fubá, levei ao velho. Procurei alguns de seus familiares argumentando com eles a situação em que se encontrava. A resposta de todos foi uma só – não vou mover uma palha pra aquele velho pirracento e mal agradecido. Passei a lhe dar assistência levando- lhe comida e leite.

Em um domingo do mês de agosto em plena seca saí junto a minha esposa, fomos visitá-lo no seu casebre levando-lhe o almoço e um pouco de leite. Ele já havia melhorado um pouco, mas trabalhar não conseguia, aliás, já nem tinha mais forças para o trabalho. Situação calamitosa pra muitos idosos que tinham apenas a caridade alheia a seu favor isso quando a encontravam. Uma vez que não havia nenhuma cobertura social, ao lavrador, naquela época.

De volta pra casa estávamos quase chegando qundo levantou um incêndio à margem do córrego bem ao fundo da pirraça. Lembrei do velho no rancho, voltei correndo, nesta altura o fogo vinha devorando tudo uma macega enorme de capim seco que chegava até as paredes alcançando o sapê na cobertura da choupana. Chegando ao local por sorte sua enxada estava em boas condições, - me dê sua enxada seu Emidio, e se levante, vem ai um incêndio violento!-Ocê sabe qui num dô conta de levantá! –Se o senhor não quiser morrer queimado trate de sair logo que o caso é sério. Como eu era novo e tinha muita intimidade com a enxada em poucos minutos consegui limpar a velha estrada fazendo um aceiro de mais ou menos cem metros, fui colocando um contra fogo, quando as chamas violentas chegaram, o contra fogo já havia aberto uma área bem significativa, mesmo assim o fogo pulou varias vezes, mas eu consegui abafá-lo com fachos de ramos. Levei a enxada ao rancho e o recomendei ficar de vigília para no caso dos tocos que ainda fogueavam reacenderem, ele logo disse:- isso é arrumação dos capetinhas do Izé Maricota tivero aqui trazeno boi. Voltei rápido e alncei os guris tomei deles a caixa de fósforos impedindo-os de praticar outros incêndios.

Os filhos do homem que a havia arrendado o pasto, levaram os bois carreiros a mando do pai, coloram no pasto e atearam fogo em seguida, coisas de moleques arteiros.

“No meu entender o sumisso do porco foi o caminho utilizado por Deus levando-me ao pobre velho!”

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 20/06/2011
Código do texto: T3045975
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