O Caso do Chiclete

I

Quando aquela “belezinha” deu entrada na sala de audiências vestida com uma mini-saia pra lá de minúscula e curtinha, todos os olhares se voltaram na sua direção.

Fora um privilégio poder apreciar a passagem daquela versão moderna e igualmente saudável da inesquecível garota entoada em cordas e versos pelo maestro Antônio Carlos Jobim, a nossa menina de Ipanema.

O detalhe é que aquela escultura de carne e osso transitava agora não pelas areias úmidas e quentes de uma das praias mais admiradas do mundo, mas dentro daquela sala de audiências.

Aquilo mexera demais com os hormônios, feromônios e as muitas considerações de cada um dos presentes. O preposto da empresa e os advogados das partes, por exemplo, reagiram produzindo vastos e iluminados sorrisos.

Já os olhares da juíza e da classista expressavam não haverem apreciado em nada o desfile da beldade em peças tão ínfimas. Deram uma boa olhada de auto a baixo na mocinha, se entreolharam e se fecharam num mutismo atroz.

Haja vista que aquele corpo de violão, viola e violoncelo - à escolha do freguês e do leitor! - e mais todas as curvas e derrapagens presentes naquela estrada sinuosa deslizou rapidamente diante de todos e se assentou, perninhas cruzadas, na cadeira reservada para as testemunhas.

E - à parte toda a sua formosura - outro fato também chamou a atenção na passagem da linda morena: a presença de uma constante mastigação em seu rostinho angelical. É isso mesmo que o leitor e a leitora imaginaram: a menina trazia uma bola de chicletes entre os dentes e a sua mastigação era uma beleza.

Ela entreabria e fechava a boca em espasmos regulares dos dentes contra a goma açucarada de mascar. E mastigava com força o persistente negócio emborrachado, deixando transparecer em meio à mastigação uma série lastimosa de caretas e arremedos faciais.

Alguém que a estivesse observando um pouco mais de longe haveria facilmente de imaginar que a boca da menina se assemelhava a de um camelo ou girafa e que ela parecia mastigar meticulosamente um tipo qualquer de folha ou alimento vegetal.

No entanto logo que tudo se acalmou um pouco após a passagem da moça, a juíza deu início à audição da testemunha.

II

- ... é bom a senhorita saber que as testemunhas são testemunhas do juízo e não das partes. A senhorita está aqui para dizer a verdade e apenas a verdade. Mentir em juízo é crime e você pode sair daqui presa. Entendeu?

- hamenaham

- o que?

- sim – aham - meritíssima, eu entendi. Aham... eu...

- A senhorita é amiga do reclamante? Frequenta-lhe a casa?

- hanaham... hão, respondeu a testemunha, mastigando a massa de borracha que insistia às vezes em aparecer entre seus lábios e dentes.

- Como? Não entendi! Repita por gentileza: a senhora é ou não é amiga do reclamante?

- hão... quer dizer, não – hamamaham...

A audição continuou mais ou menos nestes termos por outros cinco ou dez minutos, com a juíza repetindo muitas e muitas vezes as mesmas perguntas por não estar conseguindo entender corretamente as palavras que a testemunha dizia entre suas mastigadas e mastigadelas.

Num dado momento, porém – já um tanto estressada diante de toda aquela dificuldade na condução da audição - a meritíssima se virou para a bela mocinha e “determinou” cabalmente que a partir daquele momento ela retirasse o “bendito” chicletes da boca e que a tudo respondesse com mais clareza e respeito.

Nesse momento – pensando em ajudar a mocinha no descarte do chiclê de bola - a classista dos empregadores se voltou conscienciosa para a testemunha e lhe ofereceu um pedaço de papel:

- Deposite aí o seu chicletes, senhorita...

A menina, entretanto, simplesmente respondeu:

- Obrigada, mas não precisa... hamham... mais não... glupt-glupt... acabei de engolir...