O carurú na casa de Xunda
Barrinha era um "negão" soteropolitano típico, alegre, Boa gente, sorriso farto de gargalhadas copiosas, prosa boa, e de muitos amigos. Era muito conhecido por não perder um evento importante sequer na cidade, e também outros não muito recomendáveis. Estava a par de tudo que acontecia em Salvador e dava notícia de tudo.
E foi assim que eu fiquei sabendo, e fui convidado para um tal carurú na casa de Xunda. Barrinha passava pela porta da minha casa, numa sexta-feira, e gritou:
_Ô amarelo! Amanhã tem um carurú pra agente ir, topa? De pronto respondí:
_Tô dentro!
Foi uma resposta impensada, mas, já tinha confirmado, e para ele era coisa séria, tão séria que no dia seguinte, por volta das sete horas da noite, me chega o Barrinha lá em casa, já tomando "umas", com uma galera, e no meio dessa turma, umas quatro mulatas lindas. Para mim foi a conta... pinotei da poltrona onde cochilava preguiçosamente, corrí para o banho, botei uma "beca" e fomos para o carurú.
Como eu não sabia aonde era a festa, perguntei:
_Ô negão, onde é essa zorra?
_Fica frio, amarelo, "xacumigo", "vamo nessa"!
E assim fomos, pegamos o primeiro "buzú" para a Estação da Lapa, de lá pegamos outro para a Estação Pirajá e finalmente, outro para Castelo Branco, e da lá para a casa de Xunda, andamos feito a porra!!! Barrinha, que já tinha detonado uma cachaça de côco sozinho, decia as escadarias das vielas aos tropeções e eu já estava agarrado com Daniela, uma das gatas daquela turma porreta!
Depois de muito desce e sobe, escorrega e levanta, chegamos lá na casa da tal Xunda... A casa ficava no final da favela, numa baixada, e bem afastada da vizinhança. Tinha um gramado enorme na frente e estava iluminada com "gambiarras" em volta. Tinha muita gente, muita criança, e como não podia faltar, políticos: deputado, vereador, etc.
Eu estava curioso para conhecer a anfitriã, cutuquei o Barrinha, para que ele me apresentasse a tal Xunda, então adentramos a casa e ao chegar na sala, que já estava pronta para as oferendas a Cosme e Damião, com as sete crianças em volta de um grande prato de barro com carurú, vatapá, feijão fradio, farofa, pipoca, arroz branco, galinha de ximxim, e cana-de-açúcar, e conforme manda a tradição, comiam gulosamente sem uso de talheres.
Comandando a cerimônia, cantando as músicas para a ocasião, batendo palmas, toda enfeitada, saia rodada, com um turbante vermelho sangue, lá estava ela... uma figuraça!! Era uma Sarará de um metro e oitenta de altura, dentuça e de olhos esbugalhados, gorda, peituda... "o cão chupando manga!". Quando ela botou os olhos no Barrinha... Aff! Começou o furdunço!!
_Seu desgraçado! O que é que você veio fazer aquí depois de quase dez anos que me deixou com quatro filhos, sumiu e nunca mais apareceu?? "Ô us meninos" ( seus leões de chacara ) "pega esse desinfeliz e vamo quebrá no pau".
Barrinha que estava bebum, "de zói trocado", caiu durinho no chão, fingindo um desmaio, então, nós da galera, e outras pessoas da turma do "deixa disso", cercamos a Xunda para acalmar a situação... eu dizia:
_Calma, calma... deve ser um equívoco...
_Equi... o quê, "sinhô?" Pega esse...
Quando olhamos, o Barrinha já tinha sumido dalí... e a Xunda gritava:
_Eu ainda te pego, " fí do cabrunco, filadapuuuuuuta!!!"...
Aproveitando a confuzão, em meio a multidão, saímos de fininho e fomos embora.
No dia seguinte, lá pelas quatro horas da tarde, o Barrinha aparece em minha casa, com uma cara de quarta-feira de cinzas...
_Rapaz... que porra foi aquela, eu nunca ví aquela mulher na minha vida!
_Mas como é que você vai para uma festa na casa de quem não conhece e ainda leva os amigos, seu sacana?? Doido sou eu que ainda entro nas suas barcas...
_Mas todo evento que eu vou é assim, nunca fui convidado e sempre me saio bem, não sei o que foi que aquela jaburú viu em mim...
Assim terminou esse episódio, demos boas gargalhadas, continuamos muito amigos, mas... eu nunca mais entrei nas "ondas" do Barrinha.
Valdívio Correia Junior, 18/06/2011