MARIINHA.
Era uma daquelas manhãs de outono, início de fim de semana, onde ninguém em boa consciência se permitiria abandonar a cama às seis horas. Mas compromissos são marcados para serem cumpridos e o meu, marcado havia meses, me obrigava a estar no centro da cidade às sete, justamente naquele sábado frio. Foi quando pôde me atender o cardiologista. Logicamente, encontros fortuitos não acontecem dessa maneira, mas os desdobramentos pós consulta, me direcionaram a testemunhar o cotidiano fortuito da cidade grande que havia deixado para trás.
“Você terá de praticar caminhadas diárias”, sentenciou o médico em seu diagnóstico. Isto representa pouco para tantos, mas para um corpo preguiçoso como o meu, é muito a que se dispõe fazer. Mas se é para chegar à 3ª idade sem titubear assim será. Deu-se inicio aos 6 km diários, que a princípio eram percorridos em quase 2 horas, e cujo desfecho, o cardiologista do alto de seu pedestal decretou: “não é passeio é exercício físico, o percurso tem de ser feito em no máximo 1 hora”. Pois então, hoje aqui estou, a 10 minutos de cravar os 6 km de caminhada em míseros 60 minutos. Mas engana-se quem pensa encontrar outro “eu”, continuo o mesmo, barrigudo, preguiçoso, porém, com 2 quilos a menos.
A pista que uso para a caminhada, ou melhor, para o exercício físico conforme sentença proferida pelo cardiologista é a Av. dos Andradas perto de casa. O percurso tem seu inicio na av. do Contorno, seguindo até a Av. Silviano Brandão é ampla e sua extensão chega quase a 2,3 km, não há trânsito de veículos, além de ter uma parte reservada a ciclistas. Margeia o Ribeirão Arrudas, o Tietê de Beagá, mas com a vinda de um Shopping às suas margens tornou-se Boulevard Arrudas, um eufemismo para suavizar o passado inglório, principalmente no que se refere aos seus ribeirinhos e não às suas plantas floríferas e medicinais de quem herdou o nome e que em passado distante, assim como eu hoje, percorriam sem precisar caminhar as suas margens.
É este o palco da rotina que presencio no dia-a-dia das caminhadas. Sendo as pessoas que lá encontro os protagonistas de inusitadas histórias. Se prestarmos atenção veremos de tudo, o inicio da construção de um barraco, feito de lixo recolhido por um “sem-casa” em um dia, e a PM a desalojá-lo no dia seguinte. Outro dia passaram por mim duas jovens, em uma caminhada graciosa, pouco a frente tornei a encontrá-las, uma sentada sobre os calcanhares e a outra como querendo tampar alguma coisa, não entendi bem até estar à frente delas, e ver o filete de urina que descia pelo passeio, seu rosto vermelho delatava o que a boca logo em seguida confirmou: “Eu fiquei apertada”.
Depois da incontinência liquida da mocinha nada houve por demais que prendesse a minha atenção, isto até hoje, quando por lá estava a obedecer ao Doutor. Passou apressadamente, bem ao meu lado uma “criança”, não aparentava mais que 20 anos, tendo um bebê entre os braços, aos prantos, rompia o silêncio e a marcha dos caminhantes. Fiquei curioso me indagando se a causa daquele choro doído seria alguma doença no pequenino que carregava consigo. Ao mesmo tempo notei que a minha preocupação não era única, as pessoas ao meu redor que presenciaram o acontecido, comentavam entre si, tendo as mesmas considerações.
No final da pista em seu lado esquerdo, no sentido bairro, existe uma pequena praça que conduz a uma passarela que atravessa a linha férrea e a linha do metrô. Avistei lá no alto, no final das escadas que levam à passarela, cerca de 5 metros de altura, a “criança”, e seu bebê no colo. Berrava em direção ao muro do Presídio de Triagem, uma distância em torno de 15 metros, onde os muros não passam de 3,5 metros:
“AMORZINHO!”... “AMORZINHO!”...
“LEVANTA PRE’U TE VÊ”...
“LEVANTA”...
“MARIINHA TÁQUI COMIGO, DA PRA VÊ SUA FILHINHA?”
Erguendo o bebê com as mãos.
Todos que caminhavam por ali naquele instante pararam curiosos tentando entender o que se passava. Um dos guardas, que montava sentinela em uma guarita alta gritou para a moça: “desce já daí e pare de berrar pros presos, se não chamo uma viatura pro’cê”. Abanando as mãos em direção ao presídio, a moça desceu vagarosamente, tentando não perder de vista até o último momento o pai de sua filha que havia sido preso 1 mês antes de seu nascimento, conforme informara entre soluços para as pessoas que atônitas acompanhavam os acontecimentos. “Ela nasceu ontem, hoje saí do hospital e vim pra cá, mostrar ela pro meu marido”...
Era uma daquelas manhãs de outono, início de fim de semana, onde ninguém em boa consciência se permitiria abandonar a cama às seis horas. Mas compromissos são marcados para serem cumpridos e o meu, marcado havia meses, me obrigava a estar no centro da cidade às sete, justamente naquele sábado frio. Foi quando pôde me atender o cardiologista. Logicamente, encontros fortuitos não acontecem dessa maneira, mas os desdobramentos pós consulta, me direcionaram a testemunhar o cotidiano fortuito da cidade grande que havia deixado para trás.
“Você terá de praticar caminhadas diárias”, sentenciou o médico em seu diagnóstico. Isto representa pouco para tantos, mas para um corpo preguiçoso como o meu, é muito a que se dispõe fazer. Mas se é para chegar à 3ª idade sem titubear assim será. Deu-se inicio aos 6 km diários, que a princípio eram percorridos em quase 2 horas, e cujo desfecho, o cardiologista do alto de seu pedestal decretou: “não é passeio é exercício físico, o percurso tem de ser feito em no máximo 1 hora”. Pois então, hoje aqui estou, a 10 minutos de cravar os 6 km de caminhada em míseros 60 minutos. Mas engana-se quem pensa encontrar outro “eu”, continuo o mesmo, barrigudo, preguiçoso, porém, com 2 quilos a menos.
A pista que uso para a caminhada, ou melhor, para o exercício físico conforme sentença proferida pelo cardiologista é a Av. dos Andradas perto de casa. O percurso tem seu inicio na av. do Contorno, seguindo até a Av. Silviano Brandão é ampla e sua extensão chega quase a 2,3 km, não há trânsito de veículos, além de ter uma parte reservada a ciclistas. Margeia o Ribeirão Arrudas, o Tietê de Beagá, mas com a vinda de um Shopping às suas margens tornou-se Boulevard Arrudas, um eufemismo para suavizar o passado inglório, principalmente no que se refere aos seus ribeirinhos e não às suas plantas floríferas e medicinais de quem herdou o nome e que em passado distante, assim como eu hoje, percorriam sem precisar caminhar as suas margens.
É este o palco da rotina que presencio no dia-a-dia das caminhadas. Sendo as pessoas que lá encontro os protagonistas de inusitadas histórias. Se prestarmos atenção veremos de tudo, o inicio da construção de um barraco, feito de lixo recolhido por um “sem-casa” em um dia, e a PM a desalojá-lo no dia seguinte. Outro dia passaram por mim duas jovens, em uma caminhada graciosa, pouco a frente tornei a encontrá-las, uma sentada sobre os calcanhares e a outra como querendo tampar alguma coisa, não entendi bem até estar à frente delas, e ver o filete de urina que descia pelo passeio, seu rosto vermelho delatava o que a boca logo em seguida confirmou: “Eu fiquei apertada”.
Depois da incontinência liquida da mocinha nada houve por demais que prendesse a minha atenção, isto até hoje, quando por lá estava a obedecer ao Doutor. Passou apressadamente, bem ao meu lado uma “criança”, não aparentava mais que 20 anos, tendo um bebê entre os braços, aos prantos, rompia o silêncio e a marcha dos caminhantes. Fiquei curioso me indagando se a causa daquele choro doído seria alguma doença no pequenino que carregava consigo. Ao mesmo tempo notei que a minha preocupação não era única, as pessoas ao meu redor que presenciaram o acontecido, comentavam entre si, tendo as mesmas considerações.
No final da pista em seu lado esquerdo, no sentido bairro, existe uma pequena praça que conduz a uma passarela que atravessa a linha férrea e a linha do metrô. Avistei lá no alto, no final das escadas que levam à passarela, cerca de 5 metros de altura, a “criança”, e seu bebê no colo. Berrava em direção ao muro do Presídio de Triagem, uma distância em torno de 15 metros, onde os muros não passam de 3,5 metros:
“AMORZINHO!”... “AMORZINHO!”...
“LEVANTA PRE’U TE VÊ”...
“LEVANTA”...
“MARIINHA TÁQUI COMIGO, DA PRA VÊ SUA FILHINHA?”
Erguendo o bebê com as mãos.
Todos que caminhavam por ali naquele instante pararam curiosos tentando entender o que se passava. Um dos guardas, que montava sentinela em uma guarita alta gritou para a moça: “desce já daí e pare de berrar pros presos, se não chamo uma viatura pro’cê”. Abanando as mãos em direção ao presídio, a moça desceu vagarosamente, tentando não perder de vista até o último momento o pai de sua filha que havia sido preso 1 mês antes de seu nascimento, conforme informara entre soluços para as pessoas que atônitas acompanhavam os acontecimentos. “Ela nasceu ontem, hoje saí do hospital e vim pra cá, mostrar ela pro meu marido”...