O ENTERRO DO BOIADEIRO
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Recontando Contos
Certo dia, lá pros lados do sertão de Minas, morreu Bastião Boiadeiro. Caboclo novo ainda. Os parentes se debulharam em lágrimas. Houve muita tristeza entre os amigos boiadeiros. Mas Bastião tinha que ser enterrado. Chico do Laço, seu amigão do peito, arrumou mais cinco caboclo para carregar o corpo do defunto até o cemitério de Rio Claro. Caminho longo de quase quatro léguas. Botaram Bastião numa rede, onde passaram uma vara bem grossa e, dois a dois, foram carregando o amigo até a cidade dos "pés juntos". Vencida obra de duas léguas, o cansaço era muito. Por isso, diminuíram um pouco a marcha, porém continuaram a andar. O dia também andava. Chegou à tardezinha. O sol se some. À noite veem; não dá para chegar a Rio Claro antes do fechamento do cemitério. O negócio é descansar e continuar no rompante da manhã.
Colocaram o morto num canto, e cada qual se ajeitou como podia. Logo, puxavam um ronco danado. Cansaço dos diabos. Só o Chico Boiadeiro, pesaroso com a morte do amigo e medroso como ele só, não consegue pegar no sono e fica apreciando a lua cheia que alumiava até passeio de pulga no chão. Lá pelas tantas, com os olhos ainda arregalados, vê uma coisa que o deixou de cabelos em pé. O morto se levanta e meio no ar vem em direção ao grupo de amigos, no rumo dele. Passa por cima de um. Passa pelo outro e mais outro, até passar pelo quinto. Tudo muito vagaroso, como deve de ser um fantasma. Quando Bastião vai passar por cima do Chico, este não se contém e apronta o maior berreiro, soltando guinchos como os de boneca rapidamente apertada na barriga.
— Por amor de Deus, Bastião! Vai pro seu corpo, diabo! Cruz credo!... Avemaria!... Será possível, meu senhor?!
Com a gritaria do Chico Boiadeiro, os companheiros acordam querendo saber o que foi...
Chico explica bem explicadinho. Alguns acharam graça e outros ficaram com a pulga atrás da orelha, preocupados. Um deles foi o Italívio:
— Óia, gente! Isso é castigo de Deus. O morto num discansô até agora porque a gente num interrô ele. Bastião deve tá devera puto da vida com a gente!
— E o diacho é que ele passô inriba de nóis, né sô? Tocou no crucifixo que no peito trazia... e continuou. Isso é mau siná. Queira Deus que certas coisa que o povo fala seja só boataria...
Foi o que conseguiu completar Manuel, todo cismado, o primeiro que o espírito do Bastião passou por cima. Daquela hora pra frente ninguém mais dormiu. Só o Deodoro que, de madrugadinha, conseguiu tirar uma pestana. Afinal, ele não acreditava nas lorotas que o povo contava.
— Deixa de bobage, gente! Larga de mão disso! Quem morreu, morreu! Num vorta mais. O Chico tava era com sonhação!
Saíram com o sol saindo, e, na metade da manhã chegaram com o corpo frio e duro do Bastião no cemitério. Enterraram o amigo. Passaram num boteco para molhar a goela e se mandaram de novo, estrada a fora, rumo do sertão, cada qual pro seu canto.
É crença no sertão de que, quando se vai levar um defunto para enterrar, não se pode parar. Pra nada. Parar é desgraça na certa para os carregadores.
Dê daí, ô gente... o Chico Boiadeiro, naquele ano, teve que fazer o mesmo trajeto de carregamento de defunto mais cinco vezes. ®Sérgio.
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