067 – O CEGO VENDEDOR DE BILHETES...

Quase todas as semanas um cego bate à porta da minha casa oferecendo bilhetes da loteria federal, ele sempre chega à minha cidade de ônibus, sozinho, com sua bengala vem tateando vagarosamente pelas ruas, carrega apertado debaixo da axila uma bolsa bem corroída, cuidadoso ao atravessar as ruas, detesta ser ajudado, detesta que peguem em seu braço para conduzi-lo, tem o seu orgulho, das vezes o convido para tomar um café, eu o conduzo até a mesa, sem agarrar no seu braço, é ele quem agarra no meu, e é assim que ele gosta de ser conduzido.

Sentado parece cheirar o ar levantando o nariz nesta ou naquela direção, tateando, ouvido fino, desconfiado ao extremo, qualquer palavra um tanto atravessada logo se apressa em se despedir, me alongo em conversas com ele, meu olhar vasculha cada detalhe do seu rosto, o seu sorriso, as suas expressões de agrado, desagrado, contentamento, euforia, e ele gosta de contar causos:

- Outro dia fui roubado, sabia?

– Não!!

– Um maldito se aproximou dizendo que queria comprar um bilhete da borboleta, tirei os bilhetes da bolsa, sem mais nem menos ele arrancou os bilhetes da minha mão lendo em voz alta os números e dizia que este o da borboleta ia dar na cabeça, ouvi barulhos como mexer de bolsos na certa procurando pela carteira, ledo engano, o maldito na certa estava escondendo os bilhetes em seu bolso, fez-se um profundo e preocupante silêncio, a desgraça tem dessas coisas, das vezes ela se mostra sem aparecer, a gente sente, agoniado eu implorei pelo dinheiro ou que devolvesse os bilhetes, tudo em vão, com a minha bengala tateando ninguém encontrei ao meu redor, desesperado gritava que tinha sido roubado, varias pessoas me acudiram que ao saberem do acontecido, queriam saber qual era a cor das roupas que ele usava, a sua altura, a cor da sua pele, minha agonia foi tão grande que tinha me esquecido que sou cego, sorri da minha sina, a minha desgraça era bem maior que o roubo, agradeci a boa vontade daquelas pessoas que se dispuseram a me ajudar, que esquecessem do acontecido.

Naquele momento amaldiçoei de mil maldições aquele ladrão, lágrimas corriam pela cara, como é que eu iria fazer sem o dinheiro, teria que pagar a casa lotérica que me entrega os bilhetes na confiança, se não pagasse não mais confiariam em mim, me senti o mais infeliz dentre todos os seres humanos, vender bilhetes da loteria federal é meu único ganha pão, contei do acontecido ao dono da lotérica, algumas pessoas ouvindo, condoídas pagaram a minha dívida, o dono da lotérica ajuntando todo o dinheiro arrecadado de tantas mãos estendidas, disse que a minha dívida estava perdoada, e que o dinheiro arrecadado era todo meu, chegando em casa ao deitar lembrei do gatuno, mil vezes me arrependi de tê-lo amaldiçoado, o que recebi de presente era muito mais do que receberia se o larápio tivesse pago todos os bilhetes.

Rezei fervorosamente pedindo ao Senhor Deus que iluminasse aquela alma, pois ela estava na mais completa escuridão, é que ele me perdoasse por tê-lo amaldiçoado.

Sorvendo vagarosamente o café, comeu alguns biscoitos, se levantou despedindo:

- O patrão que me desculpe pela demora, gosto muito de conversar!

– Eu também gosto de conversar, gosto também de ouvir, mas ouvir causos contados pela alma, pelo coração, assim como o Senhor sempre me conta!

– De me o seu braço, a escada da saída é perigosa!!

Ele se foi na sua dificuldade...

Como pode alguém roubar uma pessoa tão sofrida, tão indefesa... Parece que neste mundo existem pessoas capazes de praticarem todos os tipos imagináveis de maldades.

Em outra ocasião estava no portão da minha casa, quando o cego, o vendedor de bilhetes se aproximava, fiquei imóvel e calado, e ele balançando sua bengala de um lado para o outro em frente ao portão parou como que sentisse o meu cheiro, como que tivesse um sexto sentido, até hoje me emociono ao lembrar deste acontecimento, ainda vejo seus olhos embranquecidos pela cegueira revirando ao acaso, procurando, indagando, por fim surpreendentemente disse:

- Patrão! Hoje eu trouxe um bilhete premiado para o senhor!!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 08/06/2011
Reeditado em 19/08/2011
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