ATROPELANDO O SACI PERERÊ
Era noite de lua clara, como de costume, estávamos todos reunidos no terreirão do sítio a ouvir causos de lobisomem, alma penada, saci pererê, caipora e outras figura que povoam a mente do sertanejo, que eram contadas com uma certa dose teatral por papai e mamãe.
As crianças ouviam fascinadas essas narrativas, com um misto de medo e curiosidade, próprios da idade, não perdiam um detalhe e uma oportunidade de fazer perguntas (quanta saudade).
Após um de seus causos, papai chamou o Paulo e Disse:
— Filho, conta aí pras crianças como foi teu encontro com o saci
— Tá bom, pai. Vou contar.
O Paulo, além de ser o irmão mais velho era também meu padrinho de batismo, eu tinha respeito e admiração por ele igual a papai. Ele era calmo, de fala mansa e pausada e, a seu estilo, começou a contar.
Vinha eu do Adhemar de Barros (distrito mais próximo do sítio) onde tinha ido comprar umas mercadorias que o papai mandou e já era quase noitinha, o céu estava assim, mais pra lá do que pra cá, a lua cheia começava a se despontar no horizonte com toda aquela beleza que só o sertanejo tem o privilégio de ver. Vinha tranquilo, sem pressa de chegar, com o cavalo num trote maneiro quando de repente vi um vulto na minha frente. Apurei bem as vistas e distingui um neguim entre a foiage do argudão, pertim do carriadô. Fui chegando de vagazim, parei o cavalo e perguntei.
— Ocê qué arguma coisa aqui no sítio?
— Não. Só to de passage.
— Tem certeza que num qué nada? Num ta pricisando di nada não?
— Tenho sim. Brigado. Há! Ocê tem fogo aí preu acendê meu pito?
— Num tenho. Num fumo. Mais, que má lhe pregunte, donde ocê vem memo?
— Venho di quarqué lugá e vô prá quarqué lugá. Num tenho rumo certo.
— Sendo assim... Boa noite.
Toquei o cavalo e já tinha dado uns deis passos quando lembrei... Peraí! Neguim, pitano cachimbo, gorro vermeio... As pernas num deu preu vê pucais da foiage do argudão... É o saci pererê sô..., vô pegá esse capetinha. Saí na dispara atrais dele, mais, como ele sabe lê pensamento, quando dei mei vorta no cavalo, ele já tinha começado a corrê, ou mio, pulá.
Ele pulava de uma rua di argudão na outra, dificurtano minha ação, mais eu insistia, e quando estava quase pegando o danado, adivinha o qui acunteceu?
Ele fez a pergunta apontando pra mim, mas não obteve resposta, eu estava em estado de transe, acompanhando todos os detalhes da narrativa.
Então, continuou ele, quando eu já tava quase arcançando, o pestinha viro um ridimuinho de puera, deu uma gargaiada estridente e disapareceu.
— I u sinhor fico cum medo padrim? Perguntei.
— Bem... Na hora não, mais dipois eu fiquei mei assustado. Foi só um susto.
— Um susto qui dexô teu irmão tão pálido que quando chegô em casa foi preciso tua mãe dá chá de capim santo e mandá a Eza Benzê.
Há! Há! Há! Todos caíram na gargalhada.