Quem nunca errou... não conhece o poder das borrachadas. (PARTE 1)

Já passavam das cinco da tarde. O sol já queria descer no horizonte, mas para o menino José Arnaldo ou “Nardinho” isso já não importaria pelo o que podia he acontecer mais tarde. No caminho de casa, cada passo de uma vez nos trilhos de trem já desativado desde o verão de 1996.

Mas ele é apenas um menino de doze anos. Quem seria capaz de julgá-lo? Ele não foi o culpado pelo que aconteceu. Fizera apenas o que lhe fora pedido a fazer. Quantos de nós já não fizemos coisas que não são de nossa personalidade, mas fazemos porque queremos ser inseridos em um grupo? E ali ele caminhava.

Pensava na educação que a Dona Mamãe lhe dera. Nunca lhe ensinara a fazer essas coisas. Será uma vergonha para ela, quando souber o que fez. Imagina a feição que a Dona Mamãe fará. E as lágrimas que rolarão ao saber de seu malfeito. Seu amor não será tão mais forte do que aquele pedaço de pneu que serve de “corretivo” de Senhor Papai. Xiiiii! E Senhor Papai então? Tão rápida quanto seu pensamento, a mão de Nardinho apalpa o lado direito da bunda, a dor psicológica logo vem imaginando quantas borrachadas irá levar.

Isso lhe faz lembrar que não foi tão grave quanto o que seu irmão José Antônio ou “Tuninho” fez. Tuninho queria, porque queria, uma bicicleta nova; é irmão mais velho e a sua já estava tão velha quanto ele.  Que depois de doze nãos de Sr. Papai por não terem dinheiro e sete benfeitos de Nardinho, Tuninho revolucionou geral a anatomia bovina cortando o rabo das duas vaquinhas magrelas que a família tem e enganou dois bobos vendendo os rabos das vacas dizendo que as mesmas curavam sarampo e varicela. Resultado: vinte reais no bolso e oito borrachadas na bunda. A matemática na escola foi boa em ensinar a divisão correta de borrachadas nas bandas; Ainda sobraram duas borrachadas para Nardinho que riu do irmão apanhando.

Ai!! E pensar que foram quatro borrachadas em cada banda da bunda de Tuninho, será melhor então massagear a da esquerda também.
Em desespero e pernas bambas Nardinho senta nos trilhos do trem. Agora não adianta chorar, mas ele chora. E quem disse que menino não chora? Chora sim e chora muito (ainda mais se estiver sozinho). Porém, as lágrimas não são capazes do perdão que terá de dar ao seu melhor amigo, aquele que lhe tinha maior confiança.

Aliás, confiança foi o que não teve seu irmão José Junior ou “Juninho”, quando sentiu suas seis borrachadas em cada mão; Isso porquê andava com uma turminha barra pesada, daquelas que não tem idade para fumar e ficavam na pracinha da cidade só esperando as bitucas de cigarro caírem para dar umas “bitucadas”. O pior é que as únicas coisas que os bobos conseguiam eram umas boas tosses e um mau-hálito insuportável. O grupo de Juninho ouvira dizer do tio do Duardinho e da avó do Celinho, que se comesse um pedaço de maçã depois de bitucar, o bafo de chaminé acabava. O tonto do Juninho, foi o único que duvidou da receita caseira que seus amigos contaram, não confiou na palavra dos amigos. Já que não acredita, foi duvidado por eles a ir na quitanda do Seu Alceu e pegar emprestada uma maçã. Quem é o tonto que pega uma maçã emprestada? Nem emprestada da mãe e muito menos da quitanda do Seu Alceu que é primo de terceiro grau de Sr. Papai. Resultado: mãos vermelhas de borrachadas e a promessa mentirosa de que nunca mais faria aquilo (duas semanas depois não foram maçãs, mas sim três pipas do bazarzinho do lado). Nardinho também levou borrachada mais tarde porque brincou com a pipa roubada do irmão.

Ai!! Nardinho pensou, pensou e era melhor massagear não só as duas bandas, mas também a palma das mãos.

Não adiantaria! Os pés são pequenos e o caminho é curto. Em frente ao portão branco de madeira da casinha mais pobrezinha da Rua Manuel Couto Bráz de Aloízio Ferreira, luz acesa de sete e meia da noite, só esperando Nardinho.

Não era preciso abrir a porta, Tuninho já estava na soleira na porta, com um sorriso de “hoje-é-o-seu-dia”; esse mesmo sorriso denunciava um “já-contei-tudo-pro-Sr.-Papai”.

Se tivesse tempo para olhar seu rosto, veria um Nardinho com a cara mais branca que leite de vaca virgem. Duas horas pensando nos irmãos, valera para preparar-se do que viria. E lá estava ela: a borracha trincando atrás da porta, de hoje você não escapa, ela dizia.

“Nossa menino, porque você está tão branco?”, perguntara Dona Mamãe, com cara de preocupação. “Está com fome, imagino.” Fome seria a última coisa que Nardinho sentirá. Talvez fosse sua última refeição.

“Sim Dona Mamãe, ele deve estar com fome. Não está Nardinho?” Veio então a voz ao longe de seu irmão Juninho, voz meio-detetive, e meio “Você-está-ferrado-porque-eu-também-já-sei”. Respiração profunda, hoje a borrachada será épica com direito à plateia. E a maior qualidade dos irmãos é que eles sabem disfarçar as risadas. As borrachadas hoje terão sessão única.

Passos altos no corredor, diziam que ele estava chegando. Agora os passos estavam na sala. Suor frio, tremedeira, quase fazendo xixi nas calças. O que seria menos pior: mijar antes ou depois de sentir o cheiro de borracha queimada? É melhor fechar os olhos.

“Se esse menino está com fome, pode servir a janta Dona Mamãe. Tá tarde já! Senta aí na mesa seus moleques empestiados”. Que coisa estranha! Sr. Papai passou da soleira da cozinha e sentou-se direto à mesa já empunhando a colher esperando a última refeição de Nardinho.

“Você vai sentar, ou está esperando eu te puxar pelos cabelos, muleque?”. Nardinho senta-se sem acreditar no que estava acontecendo. Sr. Papai repreendeu Naldinho por ele atrasar o jantar? Realmente muito estranho.

E o jantar começa. Todos menos o meliante estão a comer. Olha para Sr. Papai, parecia um bicho do mato em cima do prato com os olhos só para sua preciosa refeição; Olha para Dona Mamãe que está com um olhar cansado de lavar roupa o dia inteiro, comia devagar e sempre.
E Tuninho? E Juninho? Comiam normalmente, nem barulho na mesa faziam.

E o jantar termina. Seria agora? Ele só esperou Nardinho ter sua última refeição? Era melhor ele começar a conversa então, respirou fundo e começou: “Sr. Papai, eu tenho uma coisa pra contar, eu...”
“Nardinho tem nada pra contar não, Sr.Papai. É coisa boba de menino bobo. Acontece que o bocó caiu na calçada e ralou o joelho, não foi Nardinho?” Que coisa estranha! Que papo bobo! Estaria Juninho defendendo o irmão?

“É Sr. Papai, mas eu como irmão mais velho que sou, já limpei o machucado com água e sabão e passei iodo.” Irmão mais velho que nasceu pra fazer zoada com o mais novo e agora o está a proteger?

“POIS AINDA BEM QUE VOCÊS NÃO APRONTARAM MAIS NENHUMA, PORQUE POSSO ESTAR CANSADO DA ROÇA, MAS DISPOSTO A BORRACHAR. VÃO JÁ PRO QUARTO DORMIR”

Que alívio sair daquele cenário. Enfim, Nardinho sobreviveu a mais uma noite, mas por quanto tempo?

No quarto, a porta fechada por Tuninho e o mesmo olhar cheio de chantagem dos dois irmãos. Juninho (o do meio) disse:

--- Nós já sabemos o que você aprontou. Não se preocupe, não vamos contar o que você fez. Foi bom ter rido das borrachadas de Tuninho? Ou foi melhor do que roubar de mim a minha pipa roubada? Não responda agora, mas pense nisso quando estiver pensando na proposta que temos a lhe fazer: Nós não contamos o que sabemos e você durante dois meses, dará toda a mistura de seu prato para o Tuninho, seu irmão mais velho querido. E sua mesada junto com os doces que você ganhar na hora do recreio, você dará a mim. E se contar a Dona Mamãe desse nosso “trato”, além das borrachadas que vai levar, também levará um castigo só nosso, seus irmãos que tanto gostam de você e não te denunciaram! E então você topa?

O que seria melhor: comer arroz e feijão puro por dois meses, ou levar borrachada que vai doer durante esses dois meses?

O que será que Nardinho aprontara?

Trato feito.

Logo, logo, você saberá o desfecho dessa história que ainda nem começou.

S.P. 30/05/11
(Revisado pela minha amiga-irmã Celia Maria Delfino)
Renato de Paula Silva
Enviado por Renato de Paula Silva em 30/05/2011
Reeditado em 16/06/2011
Código do texto: T3004115
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