SERESTA NO CEMITÉRIO
Meu pai era um sujeito sério, não gostava muito de conversar, mas quando tomava uma cerveja abria a torneirinha e contava cada uma. Ele disse que quando servia na aeronáutica, um amigo seu chamado Sargento Rêgo, chegou pra ele na mesa de um bar e lhe confidenciou:- Lima, rapaz, eu acho que estou sendo traído.
-Que besteira é essa, Rêgo, tu não tem nem dois anos de casado, rapaz, tua mulher é gente boa.
-Eu também achava, mas to muito desconfiado. Ela não quer que eu chegue nem perto dela de noite, não me faz mais carinho e quando eu quero fazer carinho nela, me manda sair. Outro dia eu falei na possibilidade de ter um filho e ela me disse que Deus a livrasse, que não ia engordar por causa de filho não.
-Rapaz! E você desconfia de alguém?
-O pior é que não. Na minha casa só vão meus amigos. Acho que nenhum deles se atreveria a fazer uma desgraça dessas comigo.
-Onde tu moras?
-Atrás do cemitério do Alecrim. Por quê?
-Se você quiser eu fico pastorando, no dia em que você dorme no quartel, pra ver se entra alguém lá. Você me dá uma garrafa de cana, eu levo o violão e fico lá dentro do cemitério bebendo e tocando pra não dormir, e olhando pra ver se entra alguém de madrugada na sua casa.
-Tu tens coragem mesmo, Lima? Passar a noite dentro do cemitério? Tu faria isso por mim?
-Faço, sargento, gosto de traição não. E amigo meu não vai ser enganado assim não.
Combinaram tudo e na semana seguinte, o meu pai de viola em punho e segurando firme o litro de cana, uma sacolinha com limão partido e alguns pedaços de frango com farofa, pulou o muro do cemitério, procurou uma catacumba alta de onde avistava a casa do sargento, tomou a primeira, afinou a viola e haja seresta. Todo o repertório de Altemar Dutra, Nelson Gonçalves e por aí vai. Acho que já tinha até alma dançando, quando de repente , para um fusca branco em frente a casa e dele desce devidamente fardado o Tenente –Coronel Pacheco, de quem meu pai e o sargento Rêgo eram subordinados. Bateu na porta, a mulher abriu e com largo sorriso puxou o velhote pra dentro.
- Menino, que situação!Pensou meu pai.Se eu contar, eu to lascado.Se eu não contar, eu lasco Rêgo.E agora?
No outro dia quando saiu do quartel, o sargento Rêgo foi na casa do meu pai saber das novidades.
-E aí Lima? Você viu alguma coisa?
-Ver eu não vi...ver mesmo assim com os olhos, eu não vi, mas uma alma lá do cemitério me contou, que um tal de coronel Pacheco aqui acolá vai lá na tua casa.
-Ora Lima, eu aqui aperreado, tu vem com essas brincadeiras de alma, rapaz. Já sei, tu adormecesse em cima da cova. Eu sabia que essa história não iria dar certo, imagine, se fosse outro cabra, mas coronel Pacheco não se presta a um papel desse não, tua alma errou e já que tu não visse nada, vou pra casa ver se minha esposa dormiu bem sozinha.
-Aliviado, meu pai tirou um peso da consciência:- Contar eu contei, mas eu não posso fazer nada se ele não acredita em alma!