A COMPOSITORA DA GAIA

Thereza Poesia

Gaia pode ser tanta coisa essa menina, em princípio é um dos nomes da terra, mas aqui por essas bandas, gaia é chifre mesmo. De animal, e principalmente de gente. Quando alguém é corneado, todo mundo diz que levou gaia. E por falar nela, vou te contar o causo mais famoso de gaia que já ouvi. Foi lá pras eras de 1940, minha mãe era menina ainda, mas quem me contou foi uma amiga dela a Maristela, que Deus a tenha.

Disse que lá na cidadezinha aonde todo mundo se conhecia, tinha um senhor de nome Papi que possuía uma roçinha perto ,aonde passava os dias a plantar milho, feijão, criava umas vaquinhas e era casado com uma moça muito bonita chamada Lourdinha, filha de Mané Valenço. Lourdinha tinha três filhos, um loirinho igual a ela, um bem pretinho e um moreno claro. Parece que a genética dentro do útero de Lourdinha era meio maluca, mas Papi era um cabra grosso e valente e ninguém se atrevia a falar abertamente nadica de nada, apesar de à boca pequena, todo mundo saber e comentar que a não ser que o Espírito Santo tivesse baixado ali, Papi levava muito era gaia. Mas na cidade do tamanho de um ovo, todos os homens e mulheres tinham suas desconfianças de quem seria o amante ou amantes, só que ninguém nunca tinha provado nada. A danada da mulher fazia bem feito demais. Ninguém a via de prosa com homem nenhum, só ia pra feira, pro mercado ou pra igreja, e visitar uma vez por mês sua comadre Rita ,madrinha do filho do meio , no sítio Pau Leite, para espairecer, dizia.Nem os filhos levava, que era pra poder descansar um pouco da lida. O danado é que a comadre confirmava mesmo que era pra lá que ela ia.

Também morava na cidade um negão bonito, dente de ouro, que trabalhava de caminhoneiro. Todos os meses viajava pras bandas da Bahia carregado de cebola, as vezes de animais para o abate, jerimum , etc...quando voltava, descansava uns três dias e lá ia de volta. Mas enquanto descansava se hospedava na casa da irmã no “Pau Leite”.

Maristela era uma menina astuta e intrigada com o colorido diversificado dos filhos de Lourdinha, resolveu seguir a dita cuja numa dessas visitas. Ora, Ontõe Lotero(esse era o nome do caminhoneiro) tinha chegado de viagem, porque bem cedinho ela havia escutado a buzina do caminhão dele, que sempre era um show, coisa finíssima , comprada em “Sum Paulo” e todas as vezes que entrava na cidade, se ouvia o toque:parapa pam param param pam pam, pararaam aram ram ram ram rammmmmmmmmmmmmm. Aquilo era um ritual: todo mundo sabia que Ontõe Lotero estava na cidade.

Era domingo e depois da missa das sete, Lourdinha toda arrumada, deixou os meninos em casa com o pai e foi ver comadre Rita no sítio Pau Leite. Maristela, sem que ninguém soubesse, foi atrás dela.Era hoje, dizia, vou descobrir esse mistério.Num tá com a moléstia dos cachorros, uma mulher ter m filho de cada cor do mesmo marido.

Chegando ao sítio a comadre veio recebê-la toda feliz. O irmão na varanda abriu um sorriso que refletia o sol. Toda animada, abraçou a comadre, estendeu a mão a Ontõe Lotero que curvou-se graciosamente num cumprimento levando-o a examinar de baixo acima a indumentária exibida pela Lourdinha. Entraram todos. Maristela foi se esgueirando pela cerca até chegar a janela do quarto da dona da casa que estava fechada e ficou ali escondidinha. Passaram trinta minutos e a menina já estava desistindo quando ouviu risos e conversas entre Ontõe e Lourdinha entrando no quarto e fechando a porta:

-Tu ouvisse a buzina, foi?

-E num foi?Quano a buzina toca, meu coração acelera. Aí eu tenho de vim.

-Tava cum saudade, era?

-Vixe, e muita!

-E teu marido? Desconfia de nada não?

-Discunfiar de que , minino? Eu lá dô mutivo?

E os dois entre risadas e gemidos, ficaram muito tempo trancados no quarto da comadre.

Maristela correu pra casa e ficou quieta. Se a mãe soubesse aonde ela tinha ido e o que tinha ouvido, era surra na certa, mas como poderia ficar calada, se era a única que sabia o mistério que envolvia a vida de Lourdinha?Pensou... pensou...pensou...na hora do almoço, a mãe perguntou aonde ela tinha ido depois da missa.

-Na casa de dona Lourdinha de Papi.

-Ver o que, menina? O que é que tu qués com ela?

-Nada não. É que eu descobri que ela é compositora.

-Quem? Lourdinha?Que conversa é essa menina? Acho que a coitada nem lê direito, que dirá escrever. Conta outra, Maristela.

-É verdade, manhinha imagine a senhora, que ela fez até uma música que já foi gravada!

-Que conversa é essa, menina?

-É manhinha, ela gravou a música que que toca na buzina do caminhão de Ontõe Lotero.

-Agora danou-se! De onde tu tirou isso?

-Ela cantou pra mim ouvir.

-Menina, buzina não canta, só toca.

-Eu também pensava assim, mas agora sei que tem uma letra aquela música.

-E é? E qualé?

-Assim, ó: Papi jamais desconfiou, Ontõe Lotero vêi e carregou!

Desse dia em diante, toda cidade quando ouvia a buzina, cantava a musiqueta que eu não sei por arte de quem se espalhou como cinza no vento.Todo mundo ficou sabendo quem era a inspiração de Lourdinha, menos Papi, é claro, senão...não teria graça.

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