O fantasma da serra grande
Mês de janeiro, acampávamos no meio da Serra Grande, eram aproximadamente onze horas da noite, os sons da noite pareciam bem intensos, sapos imitavam o som de motores e cachorros latindo, pequenos grilos, vaga-lumes parecendo fleches na escuridão. Eu estava quase adormecendo em minha rede quando ouvi muito longe o som de um grupo de macacos guaribas (os macacos que soltaram a noite), parecia o som do vento quando espremido na boca de uma caverna, isso ajudava a formar uma bela e harmônica sinfonia naquela floresta.
Uma brisa fria começou a soprar, da minha rede podia ver a silhueta da copa das arvores fazerem leves movimentos... Derepente toda a harmonia foi quebrada... Ecoou pela floresta um gemido gelido! Dantesco, confesso, fiquei preocupado... Nesse momento um colega falou comigo: Lula tu escutou isso... O que é?
O cabôco Gal, o qual eu pensava estar dormindo me fez essa pergunta.
Respondi: parece-me um animal... Talvez seja o grito de uma “mãe da lua” (passaro noturno) ou o choro de um coandú! (porco espinho)!
O som não parou... Levava certo tempo entre um gemido e outro, Wesley, outro colega também acordou.
Nesse momento resolvi que devia botar os pés fora da rede, calcei minhas sandálias, abaixei-me peguei a lanterna, o som parou totalmente, nesse momento parecia que até os sapos calaram.
O tal som era de arrepiar, eu não podia demonstrar medo afinal estou como guia, e é obrigação do guia ter nervos de aço.
Levantei-me, com a lanterna procurei onde tinha deixado o facão, logo encontrei, estava ao pé da arvore na qual amarrei minha rede. Caminhei em sua direção pisando macio tentando atinar (ouvir) de onde vinha o gemido.
O Gal. e o Wesley começaram a especular se aquilo não seria uma obra do mal, quem sabe um fantasma da floresta tentando nos botar pra correr do local, afinal o pessoal da vila que fica no pé da serra sempre falou que ela é mal assombrada, que ali apareciam luzes e sons misteriosos, até as pedras eles já ouviram falar...
Com o facão na mão e os ouvidos bem aguçados fiquei estático...
Chuuu! Não façam barulho vamos escutar... Talvez seja uma “mãe da lua” (passaro noturno) mesmo.
Acreditem, nasci na floresta onde ando desde criança e nunca tinha ouvido algo semelhante, o gemido ecoou novamente, comecei a procurar com o foco da lanterna, o som era de arrepiar os cabelos. Principalmente com toda aquela escuridão.
_____foi então que falei: pode ser um felino, quem sabe um gato maracajá...
_____ Me fiz de corajoso e perguntei: vocês querem verificar comigo? Vou caminhar e procurar de onde vem esse barulho.
Nessa altura o resto da turma dormia como pedras, só nos três estávamos acordados. Bem eu esperava uma resposta negativa dos dois, para a minha surpresa ela foi positiva.
Então vamos nessa! Acredito que passei confiança para eles. O ser que produzia o tal barulho podia não estar muito longe, a impressão é que o som vinha da parte mais alta da serra.
Com passos cuidadosos como um caçador que espreite a sua presa demos inicio a investigação do mistério. Deixamos o acampamento em fila, os dois colegas vinham caminhando bem atrás de min, quase a me empurrar de tão colado que estavam.
O medo causava essa situação, foi então que o Gal por estar bem próximo de mim pissou na ponta traseira da minha sandália, isso me fez tropeçar. Precipitei-me para frente... Para não largar a cara no chão, em uma atitude reflexa soltei a lanterna e amorteci a queda com as mãos, os dois que vinham colados parecendo vagões de trem, engavetaram vindo para cima de mim. Caímos todos, foi uma bagunça.
O pior estava por vir, a lanterna ao cair apagou-se, deixando-nos em trevas... Isso sem falar do barulho que fizemos.
Pensei em voz alta “será que espantamos ou atraímos a atenção do tal fantasma”.
O Wesley falou: cara nós estamos lascados!
Respondi: Calma, vamos ficar juntos não precisa entrar em pânico.
Coincidência ou não os gemidos cessaram, talvez a minha primeira hipótese fosse a mais correta, com o barulho que fizemos espantamos a tal alma penada...
Passados alguns minutos continuávamos ali no mais absoluto silêncio... Foi então que a cruviana soprou forte, por quase um minuto.
O que mais incomodava nessa situação era pensar que o acampamento estava ali bem perto com nossas redes, mas não podíamos nos arriscar a chegar ate lá no escuro.
Pouco depois que a cruviana parou, veio o gemido, deixando-nos apavorados. Sem luz artificial nenhuma nossas pupilas foram relaxando de forma que começamos enxergar a silhueta do relevo e vegetação refletidos pela luz estelar que passava por entre a copa das arvores.
Eu tinha que fazer alguma coisa, não podia passar a noite ali sentada no chão quase sem me mover. Foi ai que falei.
____ Pessoal vou tentar achar a lanterna!
Sai engatinhando por entre as folhagens me arriscando a levar uma mordida de cobra ou lacrau, só enxergava o vulto dos sipòs e varas. Como tinha a noção de onde havia caído a lanterna fui tateando aos poucos, de repente.
_____ Achei pessoal à lanterna!
_____ valeu meu irmão! Falou o Gal agradecido. Com a afobação de quem já estava há muito tempo nas trevas dei uma enroscadinha para cá, umas pancadinhas e a danada acendeu. UFA! Que alivio.
_____ O que vocês me dizem, vamos continuar? Perguntei.
_____ Se você quer vamos! Responderam.
_____ Mas é claro! Depois dessa perdi o medo, resmungou o Gal..
Continuamos nossa investigação. Ao passo que subíamos a serra a cruviana soprava mais agradável ainda, era no intervá-lo da cruviana que vinha o tal gemido. Dessa vez quando ela parou de soprar o gemido
ecoou em cima de nossas cabeças, movi a lanterna lentamente em direção a copa das arvores,
Ali Pude ver que algo esbranquiçado se movia com lentidão.
Falei: ____ Pessoal ali esta nosso fantasma! Ficamos petrificados, não tirávamos o olho do foco da lanterna.
Imaginem vocês que na copa de um gigantesco Angelim, a uns quarenta metros do chão pairava o nosso fantasma. Ele era branco e grande como dos filmes do Scoobidoo, esperamos ansiosos ele soltar o seu grito arrepiante...
O seu gélido gemido ecoou em nossos ouvidos... Nos três ao mesmo tempo caímos numa gargalhada só...
Adivinha você o que era nosso fantasma?
Simplesmente um enorme galho do grande Angelim que se movia no sentido em que o vento soprava, quando o vento parava de soprar ao retornar para sua posição inicial o grande galho esfregava em outra arvore produzindo o tal som, a parte branca que víamos aqui de baixo era a que sofria o atrito por isso perdeu a casca.
Falei: ____ pessoal o mistério ta resolvido, vamos voltar ao acampamento.
Aliviados por termos descoberto o tal fantasma, fizemos o caminho de volta para nossas redes e é claro com a floresta em nossa volta parecendo bem mais segura com seus sons e movimentos.
No caminho de volta surgiu a pergunta: Será que o pessoal sentiu nossa falta? Quando chegamos ao acampamento eles dormiam e roncavam como onças embaladas pela sinfonia da floresta.