A ONÇA

Justino resolveu criar carneiro para vender os animais vivos ou abatidos, em cortes especiais. Nem demorou muito e já havia formado um rebanho que era uma belezura, graças ao reprodutor que custara os olhos da cara.

O sistema era de semi confinamento. Pela manhã os animais iam para o pasto e depois no cair da tarde, recebiam na cocheira, farelo e concentrado misturados ao capim triturado pela forrageira nova.

A brincadeira dos meninos da fazenda, depois que voltavam da escola, era pastorear os animais. A recomendação era de que as crianças não deviam se aproximar das fêmeas que estivessem viçando por causa do carneirão reprodutor. Macho bonito, grande, que ostentava o par de chifres que davam uma volta completa em torno dos olhos e tinham as pontas voltadas para frente, que ele sempre amolava, esfregando nas pedras grandes e troncos, caídos no meio do pasto.

Rubinho, filho mais velho de Justino, avisou ao pai que tinha ouvido esturro de onça pros lados do açude do juá velho e que tinha visto penas das marrecas e pedaços de patas mastigadas no lajedo que fica na vazante do açude.

Justino procurou os outros criadores da região para saber se alguém tinha ouvido falar da tal onça ou se havia desaparecido algum animal. Todos falaram que não e que essa história de onça era invenção do menino que passava as tardes tocando flauta doce para apascentar o rebanho. Até Biu da venda, que gostava de caçar marrecas, disse que não havia notado nada e que o menino, devia ter confundido raposa com onça.

Só no meio do mato rasteiro na maior parte mas com altura bastante em outros, tudo pode parecer fantástico, principalmente quando se tem 12 anos e se está com medo.

- Olhe Justino, tem pra mais de 30 anos que não se ouve falar em onça pra essas bandas. Já teve muita, mas mataram tudo. Os criadores de gado e os caçadores de pele, mataram as bichinhas todas.

O assunto foi esquecido. Esquecido não, deixado pra lá. Apenas Rubinho continuava afirmando que tinha onça e a julgar pelo esturro era das grandes.

Passada uma semana, Justino notou a falta de uma fêmea buchuda. Procurou, mas nada encontrou. A única coisa que lhe chamou atenção foi a marca deixada no mato ralo pouco além do lajedo, como se um corpo tivesse sido arrastado.

Sob o sol forte do meio da tarde, o rebanho veio, aos poucos, se abrigar na sombra acolhedora do pé de juá.

Havia silêncio por toda parte, apenas o chocalho de uma das ovelhas, quebrava a monotonia silenciosa da cena.

De repente, do meio de uma touceira bem fechada, surgiu a onça. Era uma suçuarana, grande, pelos bege acinzentados, caminhando lentamente com as pernas flexionadas, olhos amarelos fixos numa das ovelhas prenhas, retardatárias.

Rubinho avistou a onça e paralisado pelo medo, não teve ânimo para gritar. Era iminente o ataque fulminante, quando surgido de outra touceira, o carneiro investiu contra a onça, dando-lhe uma chifrada violenta na altura das costelas.

Ante o inusitado do ataque, ferida, sangrando muito, a onça desistiu da caçada, retirando-se encolhida, caminhando de costas, mostrando os dentes em rosnados curtos. Quando se sentiu segura, correu para dentro do mato.

Todos consideraram que Rubinho estava mentindo sobre o ataque da onça. Só acreditaram na história quando, dias depois, ele chegou ao alpendre da casa, quase sem fôlego de tanto correr, com as duas oncinhas, órfãs, encontradas perambulando pelo lajedo do açude do juá velho.