O PACTO COM O TINHOSO
O PACTO
Thereza Poesia
-Vilge Nossa sinhora da Guia, a chuvarada de madrugada foi tão grande que “istorou” a barrage de Maria Farinha, diz que agora num passa mais ninguém inté a água cedê, quero ver cuma é que Lia vai vortá da casa de Jurema. Eu bem que disse quéla num fosse, tempo de inverno, é inverno, água num tem pena não.Leva inté as vazante, que dirá ponte veia de madera.
Era dona Laurinda, mãe de Lia, comentando com sua cunhada Marijó (Maria José).
-Se aperrei não mulé, Lia vai achar é bom ficar uns dia na casa da madrinha dela.
-É? E o selviço aqui do sítio eu vou fazer sozinha mas tu? Menhã tu vai simbora e eu fico aqui de iscava Inzaura, pruque Tonho num dá um prego fora daquela roça. Tá chuveno, ele num pode prantá mais fica de prosa cum Zé vaquero o dia intero, só aparece in casa mode cume.
-Ixi, e eu num sei. Mai home é assim mermo, eu nem ligo mai.
-As veis eu quiria era trocar cum ele. Eu ia pá roça e ele labutava aqui fazeno meus afazê, quiria vê se ele dava de conta!
-Mulé , tu num dis isso nem de brinquedo. Ispia Laurinda, me contaro que lá pás banda de Coqueiro, tinha uma mulé que trabaiava feito bicho e o home arrecramava de tudo quela fazia. Se chegasse in casa e cumida num tava pronta ele dava a bixiga taboca, e a pobe ficava calada cum medo dele. Uma noite ele tanto infernizô a mulé, que ela arrevortada fei um trato cum o tinhoso.
-Vige, mulé, logo cum quem?
-Poi foi. Ela pidiu pá trocá. Ela virava o marido e o marido virava ela. Cono foi de menhã que abriro os óio, a mulé já ia se alevantá pá mode fazê café, cono viu que tava no coipo do marido.
-Eita! E qui foi quela fez, hem?
-Na hora, ispantou-se, despoi cumeçou a surrí,e surriu, surriu, que chega chorô de tanto gargaiá, inté acordá o marido, qui tava no coipo dela. Quano o caboco abriu os oi e viu que tava de chambre no coipo da mulé, quase que morre!
-E foi, é? Ele num quis não?
-Ixi, e qualé o home dessas banda que qué virá mulé de uma hora pa outa? Entonce a mulé contou do acontecido e ele se cagano de medo resorveu que nunca mai arrecramava de nada nessa vida e cumpriendeu qui a mulé trabaiava tanto ou mai do qui ele.
-E ficaro assim, foi?
-Nada, quano o capiloto viu qui ele tava arrependido mermo de vera, distrocou.
-E o trato que ele fez, quá foi? Foi pela aima dela?
-Sei não, mai o povo dis que a mulé prometeu ao cramunhão a aima do marido, qui ela num é besta, mai dessa parte, ele num sabe não.
-Qui istora mai doida mulé, avalie se aiguém pode trocá de coipo cum ninguém.
- Se pode eu num sei não, mai diz que o marido desse dia em vante, ficou um mé de ingenho de tão adocicado.
-E a mulé?
-Embrabeceu, ficou tinhosa, diz que agora manda nele. Tu acredita?
-Sei lá, essa minina, aprosa tá boa, mai Tonho chega já já atrai de cume, vamo coidá na vida, qui noi inquecmo de cunvidá o capiloto pro armoço...he he he he He
-Oxe, Laurinda, he he he, só tu mermo...he he he he he he, brinca cum isso não, danada doida!
- Isso é bobage, Marijó, eu queria ver mermo é se o capiloto passava Lia na ponte quebrada He He He He He He...
-Apois se foi ele, eu num sei, mai espia ali, ó, lá vem Lia mai Tonho!
Tinhoso, cramunhão e capiloto são nomes do demo em nordestêz.