O matador de assombração

Tião passava sempre por aquela estrada, nunca viu nem ouviu nada de anormal lá, mas no fundo tinha um certo receio daquele lugar.

Era uma estrada muito antiga, que nasceu do calor das patas dos bichos que zigue-zagueavam acompanhando a margem do riacho buscando o melhor lugar para tomar água fresca. Seguia rasgando duas serras ao meio. A erosão foi talhando o seu leito fazendo surgir grandes barrancos, peneirados de buracos de tatu. Em um mesmo lugar, a estrada era cortada por um riacho que nascia lá no alto e vinha serpenteando, e por uma cerca. Havia uma velha ponte e uma velha porteira.

O único barulho que quebrava aquele silêncio, como uma faca afiada era a batida da porteira. Por causa do desnível do terreno, a força da gravidade se encarregava de fechá-la. Era só abrir, passar, soltar e esperar. Geralmente eram três batidas. A primeira, um estrondo que podia ser ouvido a quilômetros de distância, depois outra menos forte, e as batidas ian diminuindo até a porteira voltar ao seu estado inicial.

O lugar que não tinha um aspecto agradável durante o dia, a noite se tornava assustador. Muitas histórias estranhas o cercavam. Havia os afirmavam terem visto bolas de fogo saindo do rio e desaparecendo por detrás da serra. Outros juravam terem ouvido choros e gritos vindos de debaixo da ponte. Havia também relatos até da aparição de uma mulher muito bonita que se sentava na ponte de quatro metros de altura, e balançava as pernas e molhava os pés nas águas do riacho lá embaixo.

Era um dia de seca, chovia fuligem do céu, pois uma grande queimada ainda ardia lá no alto da serra. Tião estava na cidade, como era de costume, na jogatina e na bebedeira, já tarde da noite, pegou seu cavalo que de tão ensinado já sabia o caminho de casa, e seguiu pela velha estrada. O álcool agia em Tião como um escudo, era só beber que ele ficava metido a valente. Era acostumado a passar naquela estrada, falava nas rodas de conversa que tinha vontade de se encontrar a tal da mulher de pernas compridas, dizia isso enquanto batia a mão em seu trinta e oito na cintura.

Seguiu seu caminho. O único barulho que se ouvia era o que o casco do cavalo fazia ao tocar o chão batido e o estalar da vegetação que era engolida pelas labaredas no cume da morro. Tião passou pela ponte, pela porteira e a soltou. O barulho estrondoso de sua da batida ecoou serra acima. Tião ouviu um barulho anormal. Alguma coisa descia a serra em sua direção. Antes que a porteira batesse pela segunda vez, arrancou o revólver da cintura e esperou até que o barulho chegasse mais perto. Nada se via. Não havia como mirar, acertar ou errar era questão de sorte. Não dava para esperar mais, Tião apontou em direção ao barulho e descarregou sua munição em seja lá o que for que já estava a poucos metros dele, bem a sua frente.

Estava tão escuro que não fazia diferença ficar de olhos abertos ou fechados. Ele preferiu a segunda opção. Cavucou a espora em seu machador, queria sair dali o mais rápido possível. Depois dos tiros pode ouvir o barulho de alguma coisa tombando. E se houvesse outros? Não tinha mais munição, só lhe restava rezar o Credo e correr. Assim o fez.

Chegou em casa muito assustado, o efeito do álcool já tinha passado, e a coragem também. Ele só disse ao pai: “Acho que matei uma assombração!”

Ao clarear do dia, quem passou por aquela estrada pode ver um enorme tamanduá bandeira caído com uma ferida mortal na cabeça. O danado estava fugindo do fogo, desnorteado se assustou com a batida da porteira. Teve um azar danado o bicho, foi encontrar Tião com a coragem aguçada pelo álcool.

Meire Boni
Enviado por Meire Boni em 07/05/2011
Reeditado em 05/06/2011
Código do texto: T2955390
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