O dia em que quase matei o filho do Diabo !

Estava próximo de casa, apesar do trânsito carregado, estava feliz por mais uma jornada de trabalho cumprida. Era fim de tarde, horário de verão o que fazia com que o dia parecesse mais comprido. Morava em uma rua com trafego de mão única e tinha que dar uma volta pela rua de trás para chegar em casa. Percebi que um amigo, Carlos, acenava na porta do bar que havia na esquina da rua. Mudei o rumo e entrei na contramão, parei em frente ao bar e cumprimentei Carlos que há alguns dias não via. Carlos carregava um pequeno pote de plástico contendo queijos nozinhos, daqueles tipo de queijo cozido que encontramos em Minas Gerais. Carlos me convidou para tomar um aperitivo o que foi aceito. O calor era convidativo para uma cerveja gelada. Conversamos por alguns minutos colocando em dia as novidades e combinamos o programa de domingo: jogo do São Paulo e Palmeiras. Carlos ofereceu-me alguns queijos, sabedor da minha adoração por eles, especialmente aqueles. Pedi um outro recipiente para o dono do bar, que era conhecido e Carlos, após dividir os queijos, despediu-se de mim, confirmando o jogo de domingo. Olhei para o carro parado na contramão e decidi ir por ali mesmo até a minha casa que era bem perto do bar. Despedi-me do balconista segurando o pote com os queijos nozinhos e ao virar-me em direção à porta surgiu uma figura que nunca tinha visto ali. Um homem um pouco gordo de mais ou menos um metro e setenta, moreno claro, olhos grandes e sombrancelhas grossas, que lhe davam uma feição muito séria. Olhou-me fixamente nos olhos, perguntando se eu era Pastor. Todos sabemos que em ambientes como aquele o clima é descontraído, e sempre surgem brincadeiras entre todos. Pensando se tratar de alguém que me conhecia, respondi que sim, que eu era pastor, apontando para uma Igreja evangélica próximo ao bar. Pensei que o camarada estivesse de brincadeira, talvez pela forma como eu estava vestido, de terno e gravata. O sujeito, com o semblante mais sério ainda, olhou bem dentro dos meus olhos, aproximou sua face da minha e perguntou se eu sabia com quem estava falando. O que aquele homem me falou e da forma com que me olhou me causou calafrios e percebi que teria problemas. Percebendo o meu silencio, diante de sua pergunta ele adiantou-se dizendo entre os dentes, com uma voz rouca e em tom grave, que era o “filho do Diabo”. Perguntou a seguir se eu gostava de viver e novamente diante do meu silencio, aconselhou-me a aproveitar, porque era o meu último dia de vida. Indescritível a sensação que experimentei naquele momento, era um misto de terror e desespero. Tinha certeza que diante de mim estava alguém que queria confusão, e das grandes. Ato contínuo espalmou sua mão diante do meu rosto. Está vendo essa mão, ela fará hoje uma desgraça e será com voce. Apavorado abaixei meu olhos. Novamente com a voz grave determinou que eu olhasse para ele. Não gostava de matar sem que olhasse bem dentro dos olhos, disse. Pensei em duas alternativas. A primeira seria sair dali correndo, deixando o carro para trás e esconder-me em minha casa. Mesmo apavorado com aquela situação, me imaginei correndo com o maldito pote de queijos nas mãos. Sair dali correndo, de terno e gravata com um pote de queijos seria, talvez, mais trágico do que enfrentar a situação. A outra alternativa seria atacar o sujeito, bater-lhe sem dó, até que ficasse inconsciente. Coloquei o “bendito pote de queijos” sobre o balcão. Dei uma olhada de cima em baixo no sujeito. Observei debaixo de sua camisa, que estava para fora das calças, que havia um volume e sua mão direita estava sobre ele, como naquelas cenas de filmes de faroeste, em que o bandido só espera o outro piscar para sacar a arma e enchê-lo de balas. Como estávamos bem próximos á saída, observei que entre o piso do bar e a calçada havia um desnível, ficando a calçada um pouco mais alta do que o piso do estabelecimento. Dentro do bar ninguém notava nada. Uns conversavam alto, outros riam das piadas que eram contadas e ninguém percebia o perigo que eu estava correndo e a ajuda que eu rogava naquele momento não vinha. O mundo parecia que tinha parado. Somente eu e o “filho do Diabo”. Chegou a minha hora, pensei, mas não vou morrer covardemente, sem lutar. Aproximei meu rosto ao daquele homem, como quem vai dizer alguma coisa e com a mão esquerda, de súbito, agarrei-lhe a garganta, com uma força que eu jamais pensei ter. Com aquele gesto empurrei o homem para trás com a intenção de encostar seus calcanhares no degrau que se formava na junção do piso do bar com o piso da calçada. Ato contínuo, e conseguindo o meu intento, o homem perdeu equilíbrio e com a mão direita soltei um soco, que certeiramente pegou entre o nariz e a boca. Fechei meus olhos apertadamente esperando somente ouvir o barulho dos tiros do revolver, que estava em sua cintura. Foram rápidos instantes, eu sabia que, se com uma mão eu segurava sua garganta e a outra eu utilizava para socar-lhe o rosto sem parar, suas mãos ficariam livres para que sacasse aquela arma e a descarregasse em mim. Seria coisa de segundos até sentir o impacto. Não podia parar de bater, socos e mais socos em seu rosto, e a interminável espera dos estampidos, que não vieram. Quando fui segurado, ouvindo os gritos das pessoas que estavam naquele bar para que eu parasse, observei que o sujeito estava desacordado e seu rosto estava todo ensangüentado. Um dos freqüentadores do bar perguntou se eu estava ficando louco. Louco era o cara, respondi, que dizia ser o “filho do Diabo” ! Perguntei se não tinham escutado as ameaças e ninguém respondeu, olhando-me, sem exceção, com perplexidade, como se eu tivesse cometido uma atrocidade. O sujeito permanecia ali, caído, desacordado e todo ensanguentado. Lembrei-me da arma em sua cintura, levantei sua camisa e fiquei aterrorizado. Não havia arma alguma, o volume tratava-se de uma caixa de plástico, daquelas de guardar óculos. E ali tinha um ray ban.........., dourado com as lentes verdes. Olhei para todos atônito, peguei meu balde de queijos, porque, mesmo com todo o ocorrido não iria deixá-los ali. Pedi para que alguém chamasse socorro ou fizessem alguma coisa por aquele homem. Decidi ir embora, sair dali o mais depressa possível. Covardemente não queria assumir o que tinha feito, entrei no carro, dirigi por alguns metros e entrei em minha casa. Desci do carro e observei que minha camisa tinha ficado manchada com o sangue do sujeito. Entrei em casa ainda ofegante, com o bendito balde de queijos em uma das mãos. Minha mulher olhou-me e vendo minha camisa naquele estado e minha expressão de terror perguntou o que tinha acontecido. Consegui somente dizer, matei o “filho do Diabo e estou com medo que o pai dele venha atrás de mim. Sei que não era hora para piadas mas acreditem, foi o que consegui falar. Após alguns minutos saí para ver como estava o sujeito. Não estava mais no local, o dono do bar veio até mim e disse-me que logo após a minha saída o cara acordou, levantou-se sm nada dizer, lavou o rosto no banheiro, limpando o sangue que escorrera pelo nariz, saiu do bar, foi até a avenida, parou um táxi e nunca mais foi vistou por alí. Bem, vai saber o que aconteceu com aquele homem naquele dia. Filho do diabo......mas que diabos!!!!.