O Circo de Brogodó
O Circo de Brogodó
Joanilson
O distrito de Brogodó dos Gatos estava em festa. O carro de som acabava de anunciar que o Gran Circus Boliviano chegara àquele local e iria ser armado no antigo campo do Olaria. Era a grande oportunidade de a garotada rever os espetáculos que há vários anos não acontecia naquele pobre e populoso lugar.
Havia, também, o ensejo de a gurizada ganhar algum trocado trabalhando na armação do circo, e até auxiliar em algum espetáculo, como ocorrera em outros circos já montados naquela mesma localidade.
Ainda naquela tarde, começaram a chegar alguns velhos caminhões com o material, que parecia bastante usado, face às condições precárias das viaturas e da tralha em geral.
No dia seguinte, logo cedo, os curiosos já se acotovelavam nas proximidades do campo onde seria armado o circo, uns querendo apenas ver os animais, outros querendo ver se conseguiam algum trabalho, etc.
O que mais chamava a atenção do público era a jaula onde se encontrava um velho leão, magro e com aspecto de doente. Ele estava deitado e apenas balançava a cauda, já meio despelada pelo constante contato com as grades do seu aposento.
Os brogodoenses nunca tinham visto um leão.
Lá pelo meio da tarde o circo já estava em pé. Mas uma coisa era bastante observada: apenas a metade do circo era coberta pela lona.
Era uma festa só. Alguns garotos foram chamados para auxiliar na armação e receberam ingressos para a estréia. Outros, entretanto, não conseguiram tal regalia. Para assistirem o espetáculo, teriam que levar uma doação, a qual não podia ser revelada aos demais. Ainda assim, muitos meninos não iriam assistir a estréia, porque havia a censura para os menores de 12 anos.
Chegou a noite, e o movimento das pessoas ia aumentando à medida que o tempo passava. A garotada privilegiada com o ingresso da estréia foi a primeira a chegar. Logo em seguida aqueles outros com a doação cobrada pelo circo, cada um deles com um pacote de plástico escuro debaixo do braço, entravam e se dirigiam para uma cabine improvisada, onde entregavam as suas doações.
A estréia foi um espetáculo na expressão da palavra. Todos aplaudiram os artistas. O comentário geral foi muito positivo.
E, assim, foram vários dias. Havia sempre um grupo de garotos que levava uma doação secreta para o circo. Os curiosos achavam que era alimento para os funcionários, tendo em vista a pobreza da companhia, conforme eles se denominavam. Mas o segredo continuava.
Com a sequência dos espetáculos, os assistentes começaram a reclamar de algum ato com a presença do leão, pois este ainda não havia participado de nenhuma função.
No dia do último espetáculo, foi anunciada a presença do leão em cena, como principal evento do dia. Nessa noite, aquela gurizada impedida de entrar pelo problema da idade, resolveu complicar a vida dos trapezistas. Como só a metade do circo era coberta, quando os trapezistas faziam suas evoluções, sobravam acima da empanada lateral, servindo de alvo fácil para os meninos já municiados com pequenos torrões de barro, que eram arremessados contra os artistas, ainda no ar. Foi uma confusão dos diabos.
O leão entrou para o picadeiro quase que arrastado, pois de tão gordo, andava com dificuldade. E o último espetáculo foi um fiasco geral. Muitos queriam receber o dinheiro do ingresso de volta, o que ocasionou uma grande balbúrdia, só acalmada com a presença da polícia.
Ainda naquela noite o circo começou a ser desarmado e, na manhã seguinte, já havia desaparecido totalmente do local.
A empolgação do povo com o circo foi tamanha, que ninguém notou o desaparecimento dos gatos de Brogodó. Muitas pessoas acreditaram que os pequenos felinos se intimidaram com a presença do grande leão.
Campina Grande, PB, Mai 2005