Franguinha na panela

Marcinha não gostava de brincar de boneca, nem de casinha. Passava o seu tempo livre cuidando de pequenos animaizinhos.

Ela e sua irmã mais velha, Lurdinha, ganharam de presente um porquinho, que recebeu o nome de Tuíca. As duas cuidaram dele como se fosse gente. Quando cresceu ficou muito assanhado,e queria por tudo namorar. Tentava com o cachorro, com a vassoura, e até com as pernas de quem estivesse por perto. Não deu outra, o pobrezinho acabou castrado. Recuperou-se rapidinho e depois disso só queria comer. Comia tudo o que via. O pai disse uma vez que ele só não comia as donas porque elas não ficavam deitadas perto dele.

A comilança e a boa vida o fizeram muito gordo, e o inevitável aconteceu: o Tuíca acabou indo para a panela. Desde então, ficaram proibidas de criar porco. Lurdinha passou a cuidar de gatos, e Marcinha de pintinhos órfãos.

Lurdinha já mocinha, adotou uma gata. Que pouco tempo depois já tinha rendido outras cinco cabeças.Marcinha arrumava pintinhos e mais pintinhos. Na fazenda havia sempre algum caso de abandono por parte de alguma galinha desnaturada. Quando não havia, Marcinha mesma se encarregava de separar o bichinho da mãe.

Seus pintinhos levavam vida de rei. Ela andava longe atrás de um cupim do cerrado bem fresquinho. Era só quebrá-lo e dar como banquete para os pintinhos. Diziam que era fortificante.

A maioria morria nos primeiros dias da adoção. Muitas vezes por excesso de zelo. Para substituir as penas maternas, empacotava-os com tanto esmero , que de tão aquecidos, acabavam sufocados. No dia seguinte quando abria a caixa que servia de dormitório, estavam duros. Chorava litros de lágrimas, ficava sem comer, e isolava-se no quarto por algumas horas. Na casa todos já estavam acostumados, sabiam que o luto e o choro passariam logo.

Os sobreviventes eram soltos durante o dia, e a noite ela os recolhia Quando uma tempestade se anunciava, Marcinha saia louca procurando seus filhotes que passeavam pelo quintal. Chamava-os, e todos vinham rapidamente. Já pegou muito resfriado, correndo debaixo de chuva a fim de recolher algum desgarrado.

A maioria dava para a sua mãe quando estavam fora de perigo, já grandinhos. Mas sempre tinha os especiais. Aqueles que morriam de velho no terreiro.

A fim de protegê-los da panela, ela os marcava. Marquinha esta, era a diferença entre virar jantar ou ter uma vida tranqüila até a velhice. Os reis, ou rainhas vitalícios do terreiro usavam uma argolinha no pé. Sempre que precisava se ausentar, deixava mil e uma recomendações para que cuidassem de seus rebentos.

Certo dia, acompanhou a mãe à cidade e quando chegou em sua casa, algumas visitas e um jantar prontinho as esperavam. Seu pai fazia sala a um compadre e sua família, enquanto seu irmão, metido a cozinheiro, que adorava brincar com as panelas fazia um jantar muito cheiroso e caprichado.

Marcinha chegou cansada e com fome, só depois do jantar foi conferir seu bando, como fazia toda vez que se ausentava. Sabia exatamente onde eles se empoleiravam, contou e notou a falta de uma de suas frangotas. Contou de novo e nada. Marcinha não quis pensar, não quis acreditar. Seu estômago deu uma revirada e a fez lembrar do prato principal do jantar: frango ao molho. Ou melhor, era franga. Como gostaria de estar enganada. Mas não estava. Nem precisava ter contado, sabia exatamente qual delas estava faltando. Segurando o choro foi conferir onde o imão havia jogado as penas. E não deu outra. Reconheceu na hora, ali estava jogado o que restava de sua franguinha, aquela que atendia pelo nome, era só chamar Tuti, que ela vinha correndo. A sua frangota tinha virado jantar!

E o pior de tudo é que sem saber havia comido uma coxa. Enfiou o dedo na garganta e tentou se livrar da culpa, e dos restos da franguinha. Não conseguiu. Marcinha soltou um grito de raiva, e como uma galinha choca, saiu em defesa de sua franguinha. Foi tirar satisfação com o irmão, nem se importou com as visitas. Ele tinha o dobro do seu tamanho, pegou-o desprevenido e conseguiu lhe dar umas unhadas. Sem saber o que havia acontecido, a mãe perguntou: “O que é isso minha filha? Cadê o respeito?” Engasgada e cega de raiva ela só conseguiu dizer: “O Jorge cozinhou a minha Tuti, e vocês comeram ela, tadinha! E ainda deixaram que eu comesse também!” Sua pediu licença para as visitas e levou Marcinha para o quarto. “Chega de frango com pulseira e fique aí no quarto, vou lá na sala tentar limpar a sua bagunça, tentar explicar o que aconteceu.” Só o que restava a Marcinha era chorar. Abriu o bocão e chorou enquanto tinha lágrimas. Só parou quando pegou no sono. Enquanto dormia, sonhou que sua Tuti tinha ido para o céu das galinhas e lá estava feliz, voando de verdade, como um passarinho.

No dia seguinte, após mais uma bronca da mãe, seu pai chegou do cerrado com filhote de papagaio dentro do chapéu: “Aqui filha, esse nenhum de nós vai comer!” Marcinha olhou maravilhada para aquele bichinho peladinho que sacudia a cabeça para cima e para baixo, ela já o amava. Jorge deu uma risada e disse: “Nós não comemos perequito, mas os gatos da Lurdinha...”

Meire Boni
Enviado por Meire Boni em 30/04/2011
Reeditado em 01/07/2013
Código do texto: T2940724
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.