UM CORPO ESTENDIDO... NO VARAL

No sítio onde eu fui criado, não existia poço para fornecimento de água, toda a água consumida pela família era proveniente de uma mina no fundo do vale, próximo ao rio. Aliás, eram duas minas.

Para ter acesso a essas minas, meu pai e meus irmãos drenaram toda a área alagada (área de varjão). Construíram dois drenos paralelos, de forma que o intervalo entre os dois drenos formou-se uma passarela, o que possibilitava o trânsito das pessoas sem nenhuma dificuldade.

Como a primeira mina era apenas um olho d’água, nós a mantínhamos cercada para evitar que o gado a pisoteasse e assoreasse, de modo que naquela época, meu pai já se preocupava com a preservação do meio ambiente.

Pelo fato de ser cercada, minha mãe aproveitou para construir um varal para secar roupa que comumente se lavava na mina próxima, a fim de facilitar o transporte, afinal, transportar roupa molhada é muito mais pesado.

Os responsáveis em manter as caixas d’água da casa cheias era nós, os pequenos, os grandes iam pra roça. Tinha dia que fazíamos até dez viagem entre a mina e a casa com uma lata d’água na cabeça, claro, proporcional ao nosso tamanho e dependendo das travessuras, o castigo podia aumentar.

O varal de mamãe era construído basicamente por um fio de arame farpado, desses que era usado para cercar o gado(não tinha arame liso como hoje), amarrado de uma árvore à outra, com uma estaca ou duas ao meio para suspender o arame para que as roupas não tocassem o chão.

Vinha eu e a Lelé(Vilma era o nome dela), cada um com sua lata na cabeça, quando chegamos a essa mina cercada e já bastante cansado convidei:

— Lelé, vamo discansá um poquim?

— Não! Nóis vamu chegá atrasado pa escola.

— Só um poquim. Pedi.

— Tá bom. Só um poquim.

Antes Lelé não tivesse concordado. Quando vi o varal solto, com a forquilha apoiada no chão e no arame, bateu aquela vontade danada de ser equilibrista, como tinha ouvido meus irmãos falarem e chamei.

— Lelé, oia aqui!

— Que cocê vai fazê?

— Vê só como consigo iquilibrá nessa furquia.

— Tá doido minino! Vai se machucá.

— Machuca nada! Oia só isso.

Comecei a subir na estaca que estava apoiada no arame e tudo começou a balançar, e eu lá, com os braços abertos, me sentindo importante. O que eu na minha inocência não observei era que a estaca era feita com um pé de mamona, madeira muito frágil e que não resistiria ao meu peso, mesmo sendo apenas um pingo de gente. E foi justamente o que aconteceu. A forquilha da estaca quebrou e o arame que estava tenso com meu peso se soltou e num golpe fulminante, me atingiu na altura da coxa esquerda.

A violência do golpe foi tamanha que a roseta do arame, aquela, composta por quatro ganchos afiados, dispostos em sentido contrário, enterrou na minha carne e me arrastou para cima, de forma que eu fiquei estendido no varal com a cabeça para baixo.

Minha irmã, coitada, apesar de mais velha, era também uma criança e não podia fazer nada. O jeito foi ficar pendurado por longos minutos, o tempo suficiente pra Lelé buscar socorro em casa, o que ficava a mais de quinhentos metros de distância.

O tempo agia contra, durou uma eternidade até que mamãe chegou. Lágrimas não tinham mais para chorar, eu já tinha literalmente secado no varal. A dor era tanta que já não sentia mais nada. Até hoje não entendo como me mantive firme sem desmaiar.

Foi uma experiência terrível para meus seis aninhos. Ainda trago a marca da cicatriz na coxa esquerda e quando vou tomar banho e vejo essa marca, me vem à cabeça as imagens daquela cena. Eu, como um pijama no varal a secar.

Las Vegas
Enviado por Las Vegas em 29/04/2011
Reeditado em 30/01/2015
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