O cachorro forasteiro

Certo dia, enquanto tomava uma fresca na porta de casa, vi um cachorro atravessar a rua da pacata Alcaçuz. A cidade, embora pequena, ou por ser pequena, parecia casa de mãe. Qualquer indivíduo ali era bem recebido pelos moradores, atitude costumeira do povo dessa região.

Mas o cachorro atravessou do lado oposto à minha direção. Estava só. Não pude deixar de percebê-lo. “Esse não é daqui” Provavelmente alguém o teria abandonado nas redondezas e ele fora parar ali. Interessante foi identificá-lo como forasteiro. Será se eu conhecia todos os cachorros de rua da cidade? Não, não era isso. Ele tinha um ar de superioridade em contraste com um semblante muito triste. Meu Deus, eu estava analisando a fisionomia de um cão. Percebi que andava muito ocioso naqueles dias, pois tinha tempo para isso.

Que raça seria aquela? Quando eu era criança, achava que cão vira-lata era somente aquele que não tinha sangue de nenhuma raça. Lembro-me do quanto fiquei decepcionado no dia em que meu avô me disse que a “Kika” não era de raça, pois era filha de um pastor alemão com labrador. Indignei-me por saber que para ter raça tinha de ser pura.

Quanto ao cachorro atravessador de ruas interioranas, não conseguia identificar-lhe a raça. Sem problemas. Nunca fui muito bom nisso. Ele vinha, quando se aproximou, constatei: é realmente um cão manso, sem raça, mas até bonito. Sereno, cheirou um pedaço de pau jogado ali a uns dois metros de mim. Cheirou. Levantou o focinho. Era o cheiro de janta da minha vizinha Leocádia. Ela sempre fazia frangos deliciosos e, sem dúvida, muito cheirosos!

Parado, fiquei observando o cachorro forasteiro. Que expressão interessante. Era fome. Muita fome. E aquele ar de superioridade? Pensei em me levantar e buscar lá dentro um pouco de comida, mas minha postura modorrenta era bastante aproveitada naquele instante. Fiquei a olhá-lo. Deitou-se. Alojou a cabeça entre as duas patas dianteiras e fechou os olhos como quem queria camuflar sua dor ou simplesmente descansar. Que dor? Que cansaço? Devo estar ficando louco!

Os minutos passaram tão silenciosos que mal notei os poucos postes da rua os quais já anunciavam a negligência da lua e iluminavam os namorados que agora começavam a passar à minha frente.

O meu mais novo conhecido, e nem tão bem recepcionado por mim, estava ali. Às vezes abria os olhos, voltava à posição de repouso. Sacudia para se livrar de um mosquito que eventualmente incomodava sua orelha, e permanecia inerte. Ele era solitário! É isso. Solidão.

Afinal, quem tem namorada já passou rumo à pracinha. Quem tem família já preparava a janta. Quem vivia sozinho... observava outros seres desprovidos de companhia...

-Entre, cachorrinho! Acho que podemos ser bons amigos!

Rosimeire Soares
Enviado por Rosimeire Soares em 29/04/2011
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