NOITE DE NUPCIAS EM 1920 -XÔ ROLA...

NOITE DE NUPCIAS EM 1920

Thereza Poesia

- Recebi ontem uma cartinha de minha prima Candinha, lá da Paraíba. Amanhã vem dois rapazes aqui, seus primos, acabaram de chegar da guerra e um vem pedir a mão de Josefa - Sentenciou minha bisa, dona Hermengarda, à sua filha caçula Josefa Helena, mocinha linda, prendada, olhos claros, cabelos castanhos lisinhos e compridos, na flor dos seus 13 anos. Tinha uma irmã mais velha um ano,Maria Helena, que já estava comprometida com Antônio Ladislau a quem chamavam de Ninô.

Minha bisavó estava viúva há 3 anos e não via a hora de casar as filhas, para evitar falatórios. Uma viúva, com duas belas filhas solteiras, era prato cheio para as fofoqueiras de plantão na pequenina cidade de Campo Redondo interior do nordeste.

- Sim, senhora, respondeu quase desmaiando a pobre Josefa, ainda com as bonecas arrumadas em casinha no canto da sala de jantar. Não pode conter as lágrimas e buscou o colo da irmã.

- Não quero casar, Lila(ela a chamava assim), agora que eu tenho 13 anos.

- Besteira, mulher, veja Ninô, é um rapaz bonito, nossa mãe há de ter acertado com você também.

- Nunca vi esse rapaz, e se ele não gostar de mim ou eu dele?

- Aí a gente ver o que faz. Mas você espere pra ver ele primeiro, e se for tudo o que uma moça quer?- Enxugou as lágrimas da irmã- Vamos ver amanhã.

Estamos em 1919. Dizer não a uma mãe ou um pai, era a pior rebeldia que um filho(a) poderia cometer e não restava a pobre Josefa nada a fazer , a não ser aceitar seu destino.

Não dormiu a noite inteira, chorou, rezou, pediu a anjos e santos para que a mãe mudasse de idéia, mas finalmente o dia raiou. As mulheres levantaram, fizeram um lauto café da manhã(para esperar as visitas), Hermengarda mandou as moças para o quarto e disse que as chamaria quando o pretendente manifestasse o desejo de Josefa.

As 8 horas, debaixo do sol escaldante da caatinga, aproxima-se dois cavaleiros em direção a residências das” Ataídes”. Josefa olha pela brecha da janela, vê os dois cumprimentarem a sua mãe e descerem dos cavalos. Um dos rapazes era alto , jovem, um pouco calvo, tinha o sorriso bonito, bem arrumado, deveria ter uns 26 anos; o outro era mais baixo, teria uns 40 anos, era bonito também, mancava de uma perna devido a um tiro recebido na guerra, o que lhe dava uma forma de andar muito peculiar.

- Em desespero, a pobre moça pensava:- Qual será o meu, meu Deus, que pelo menos seja o mais novo, o outro tem até cabelo branco.

- Sua benção, tia,disse o mais velho, eu sou Anízio, filho da sua prima irmã Cãndida e esse é Elpídio, meu irmão mais novo. Nós chegamos faz 15 dias do Rio de Janeiro, quando a guerra acabou, mandaram a gente de volta ao Rio e agora, fomos todos dispensados. Somos ex-combatentes.

- Eu nem cheguei a guerrear, tia, fui só passear, quando cheguei lá , assinaram o tratado do fim da guerra- explicou Elpídio- sua benção.

-Deus abençoe os dois, entrem meus filhos, é uma satisfação receber vocês em minha casa.

Devidamente acomodados na sala de estar, pergunta a velha senhora(que nem era tão velha assim), se desejariam tomar café. –Depois, disse Anízio, primeiro vamos dizer o que viemos fazer aqui.Nós sabemos que a nossa prima Josefa ainda não tem pretendentes e nosso pai resolveu, que um de nós dois casaria com ela.

-Se não for pedir muito, falou Elpídio, - gostaria de conhecer a moça.

- É justo. Josefa, traga uma quartinha d’água para seus primos, minha filha!

- Com licença, bom dia.

- Essa é Josefa, minha caçula, a outra Lila, que já está noiva, vocês conhecem durante o café.

Josefa serviu a água e por um instante seu olhar castanho pousou no de Elpídio,

Acendendo no moço uma fagulha que irradiou seu rosto num belo sorriso. Josefa manteve-se quieta e sua mãe: - Pode ir, filha, na hora do café vocês vem tomar com a gente.

E assim, sem trocar uma palavra, ficaram noivos, Josefa e Elpídio, casamento marcado para dali a um ano e a promessa de que o noivo viria a cada três meses para noivar e falar do andamento dos preparativos para o casório.

Assim foi feito.Casamento grande, toda cidade presente, Lila que já estava casada, esperava ha 3 meses a chegada de quem deveria ser” José Ladislau ou Maria do Carmo”, conforme fosse a vontade de Deus. Dona Hermengarda toda de preto, como era costumes das viúvas naquela época, só tirava o preto se morresse ou casasse novamente, o que não era o caso, o padre veio de Caicó para celebrar as bodas. Muita galinha torrada, pato, guiné, ponche do bom, bolo feito por Rita de Tôtô, melhor cozinheira da redondeza, muitos comes e bebes, até sanfoneiro teve, que Anízio trouxe lá das bandas de Sapé na Paraíba.

Depois da festança, foram os noivos para a casa comprada por Elpídio em Campo Redondo, pois na condição de ex-combatente, recebeu do governo do estado o emprego de delegado daquela cidade. Assim, a filha não saia de perto da mãe e da irmã.

Sozinhos os dois, as 3 da manhã, Elpídio olha para sua esposa e diz:-Você sabe o que vamos fazer agora, mulher?

Não sabia. Balançou em negativa a cabeça. Os olhos muito grandes e assustados, nunca havia ficado sozinha com um homem. Elpídio teve pena, olhando aquela criança quase desfalecida de pavor.

-Vamos caçar Josefa! Vamos caçar! Pegue a espingarda, troque de roupa, que nós vamos nos divertir numa caçada.

-Josefa abriu um lindo sorriso, trocou de roupa rapidinho, lanterna, bornal, espingarda de chumbo e lá foram os dois em plena lua de mel.Elpídio atirando nas rolinhas, Josefa não deixava pegar um tiro...

-Xô rola, xô rola...e os dois se conhecendo, sorrindo e se aventurando como duas crianças, passaram a noite de núpcias!