Noite Escura
As horas entram pela noite escura, não há uma estrela
brilhando, até a lua está escondida entre nuvens cinzentas.
E eu estou aqui no meio desta papelada, tentando
ordená-la. O silêncio é quebrado de vez em quando pelos grilos.
Percebo que uma formiga caminha pela mesa onde estou
trabalhando, com se estivesse buscando algo.
Não dou importância, sigo trabalhando, mesmo sentindo uma
estranha sensação.
- Marina, você não vai dormir? Já está tão tarde!
- Agora não, preciso terminar de revisar esta documentação.
- A noite está tão quente!
- É verdade.
- Tem suco fresco de mangaba, acabei de fazê-lo.
-Ótimo, obrigada.
-Vou fechar as janelas, o céu está com nuvens carregadas,
talvez chova.
- Boa noite.
- Bons sonhos.
Sigo trabalhando nesta mesa nua, o cansaço está me
envolvendo forte.
Oh, faltou luz, dou um longo bocejo, preciso parar de
trabalhar.
Saio em busca de um lampião. Sigo pelo corredor daquela
casa de paredes brancas.
Na varanda encontro o que estou procurando, coloco
querosene e o acendo, ouço em seguida um zumbido, nunca ouvi
algo assim.
Volto à cozinha, é ali o local do zumbido. Levanto o lampião.
Uai! O que é isto?
Estremeço, não consigo conter o grito e saio correndo.
Volto.
Fico estarrecida, olhando as paredes junto ao teto, estão
tomadas de formigas marrons gigantes. São milhares.
Nenhuma caiu, movimentam-se como uma enorme massa
viva.
Vou para o meu quarto, fecho a porta com medo de elas
invadirem ali também.
Abro o mosquiteiro, deito, cubro a cabeça, estou assustada.
Rezo, conto carneirinhos e ligo a lanterna do celular. Não consigo
dormir, penso constantemente no que pode estar acontecendo na
cozinha.
Será que elas estão devorando alguma coisa?
A fornada de pão de macaxeira ficou dentro do guarda-
comidas, já deve estar igual a um queijo suíço. Se forem carnívoras,
devem ter devorado a carne de sol todinha.
Ai, algo picou o meu pé, dou um pulo e caio enredada no
mosquiteiro. Acendo o lampião.
Graças a Deus, não vejo nada além de alguns mosquitos.
Chega de imaginar coisas, preciso dormir.
Acordo e relembro a noite anterior.
Chego à cozinha.
- Bom dia.
- Bom dia, dormiu bem?
Antes de responder, olho para o alto e nada vejo, na mesa
estão os pães e, sobre o fogão, a carne de sol.
Não tenho coragem de contar o que vi na madrugada.
- Dormi bem, obrigada.
- A benção, “mainha”.
- Deus te abençoe, Candinha.
- “Mainha”, tu viu como não choveu? Elas só aparecem
quando a seca é grande.
- Elas quem? – pergunto, com um nó na garganta.
- As formigas do mato, elas entram nas casas em busca de
lugares mais frescos e ficam no alto das paredes.
Faço um “flashback” da noite maldormida e mastigo um
pedaço de pão com carne de sol.
-Candinha, não saia sem sombrinha, o sol hoje vai queimar.
Penso: quando a noite chegar e elas aparecerem, já estarei
dormindo.