EU ERA FELIZ E NÃO SABIA
Mané Bento tocava um pequeno sítio de sua propriedade, lá pelas bandas de Taquaral das Antas, distrito de Pau Amarelo, município este localizado no extremo norte de Minas, já próximo às barrancas do Rio São Francisco.
Forte, vigoroso, o homem cuidava sozinho da sua terra, roçando e plantando, criando algumas cabeças de gado, porcos e galinhas caipiras, desde manhãzinha até ao cair da noite, partindo em direção à sua vivenda logo surgiam as primeiras estrelas. Acompanhava-o na ida e na volta, sempre fiel e companheiro, o cachorrinho “Pirilampo”, um vira-latas esperto, alegre e festeiro. Era o seu xodó, o seu amigo constante, sempre presente e solidário em todas as ocasiões.
Mané Bento adentrava sua casa e lá vinha Dona Emerenciana, com um barrigão enorme, sempre embuchada e um catarrento enganchado na sua cintura, chorando feito pobre na chuva. E aí vinha o resto da pierrada, treze, meninas e meninos que faziam uma escadinha, dos dois aos doze, treze anos. Prole numerosa, sim senhor! ... A mulher iniciava um rosário de queixas, lamuriando-se de tudo e de todos, fazendo suas vidas parecer um verdadeiro inferno. Os filhos gritavam e brigavam uns com os outros, o cachorro “Pirilampo” alvoroçava-se e latia, abanando o rabo, uma loucura! O pobre do Mané Bento, então, não tinha mais sossego até cair no seu catre, mais tarde, completamente exaurido, física e mentalmente.
Dia seguinte, bem cedinho, o pequeno agricultor pulava da cama, tomava um café magro, pegava seu embornal com paçoca e rapadura, suas ferramentas e, acompanhado do “Pirilampo”, partia em direção ao seu roçado. E assim prosseguia naquela vidinha difícil e complicada até que, certo dia, não agüentou mais e foi procurar o Padre Amaro.
“- Padre Amaro, eu preciso da sua ajuda! Tou desesperado, minha vida é um pesadelo, trabalho feito um animal e, quando chego a casa, é só problema que aparece, choro e briga de menino, falação e xingatório da mulher, os tarecos da vivenda tudo espalhado, bagunça geral, um inferno. O que eu devo fazer, seu padre? ... Me ajuda pelo amor de Deus! ...”
“- Meu filho, você faça o seguinte:- pegue uma de suas vaquinhas e a bote dentro de casa, entendeu? Isso mesmo, leve uma vaca pra casa e a deixe na sala! ...”
“- Mas, seu padre, na sala? ...” – gaguejou o Mané Bento.
“- Sim, meu filho, na sala. Ela vai fazer tudo na sala:- comer, beber, ruminar, defecar, urinar ... tudo, tudo, meu filho!” – arrematou o velho Padre Amaro.
E assim fez o pobre do Mané Bento, direitinho como mandou o religioso. Os dias se passaram, semanas, meses até que Mané Bento, cabelos crescidos que nem uma juba, magro, abatido, os olhos quase saltando das órbitas, procurou de novo o Padre Amaro e desfiou um rosário de murmúrios, queixas, reclamações e lamentações, a famosa “muquerela”. E arrematou:-
“- Padre, tá muito pior do que era, tá pior do que o inferno! Eu era feliz e não sabia, seu padre! ...”
“- Agora, Bento, você volte pra sua casa e leve sua vaca de novo pra roça, viu? Você vai ver que as coisas vão melhorar, que bom mesmo é curtir sua vida com a Emerenciana, suas crias e seu cachorrinho “Pirilampo”, tá certo? Vai na paz do Senhor, meu filho. Você está curado!...” – e fez-lhe o sinal da cruz.
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B.Hte., 19/04/11
Dedico este "causo" à minha filha Ana Claudia, a "Princesa", que me deu a inspiração para o texto.