ROXINHA
ROXINHA
Roxinha era uma égua pangaré que tínhamos no sítio.
Lembro até o dia em que minha irmã a comprou. Com certeza não era por causa da raça, mas sim, pelo fato do vendedor ter apresentado algumas qualidades dela.
— A égua é mansinha que só vendo, Dona Elza. Qualquer criança pode montar.
— Mas eu quero uma égua não só mansinha seu Valter. Quero uma égua boa de carrinho de arado e de montaria (minha irmã conhecia do assunto).
— Pois essa é tudo isso! Eu lhe agaranto. E de fato era boa mesma na lida.
— Posso confiar na sua palavra seu Valter?
— Claro, Dona Elza. Qué vê? Menino venha cá. Chamou.
Cheguei meio desconfiado, afinal, naqueles tempos criança tinha o maior respeito pelos mais velhos. Estava curioso e doido para dar uma voltinha na égua. Ele então falou:
— A roxinha é tão mansa que o menino pode montá-la, segurando nas crinas e apoiando o pé na pata dianteira dela.
— Vamos ver! Monta, disse minha irmã.
Eu, menino esperto, acostumado na lida, mais que depressa apoiei o pé na pata dianteira da Roxinha, na altura do cotovelo (ou joelho...?) e segurando nas crinas, zás! Já estava no lombo da égua.
Dei umas voltas ao longo do terreiro, fui até a porteira do sítio e chamando minha irmã do lado dei minha opinião:
— Eza! (eu a chamava assim) A égua é boa mesmo, além de mansinha é marchadeira.
Eza então fechou negócio com seu Valter e a Roxinha passou a fazer parte da nossa tropa.
Só que todo animal não é feito só de qualidades, tem também seus defeitos, e o da roxinha, só vim descobrir no domingo que se seguiu.
Aos domingos, sempre os irmãos se reuniam, juntavam a tropa para passear pelo sítio e pelas vizinhanças atrás de frutas, ou pelos simples prazer de cavalgar (já se praticava o turismo rural e não sabíamos). Todas essas cavalgadas eram feitas sem utilização de equipamentos de cavalgada, era no pêlo, como se dizia, com apenas um saco de estopa forrando o lombo do animal.
Como a Roxinha, aparentemente era um animal dócil e eu já tinha provado isso, ela foi reservada pra mim. Arrumamos as montarias e partimos.
Após uns quinhentos metros de cavalgada ela começou a se apresentar. Empacou, não ia nem pra frente nem pra trás, toquei a anca dela com os calcanhares e dei uma chicotada. Ela reagiu. Deu dois corcoveio e eu resisti. Seguiu viagem.
Paramos para apanhar manga num pé enorme que tinha no sítio e na hora de sair empacou outra vez. Com bastante jeito e já meio com medo (só tinha 6 anos) consegui que ela continuasse.
De frente ao rancho que existia no sítio para guardar ferramentas e outros instrumentos de uso comum na lida, ela resolveu empacar novamente e deve ter pensado (se é que pensava), daqui não saio e daqui ninguém me tira, e eu lá no lombo dela, com medo, mas firme.
A partir desse momento, as coisas começou a desandar. Meu irão, encostou sua montaria por trás da roxinha e chegou a “guasca” no traseiro dela. Ai foi um inferno, ela começou a corcovear, deu um... dois... três... pulos, no quarto fui projetado para diante do focinho dela, caindo estatelado no chão duro do carreador. E mais, não tive tempo de gemer ou desmaiar não, a danada veio pra cima de mim dando patadas, só tive tempo de rolar para dentro do rancho enquanto meus irmãos dominavam a bruta.
Daquele dia em diante, nunca mais acreditei em animal mansinho. Aprendi a não confiar demasiadamente em bicho pagão (nem batizado).