A VIAGEM

- Pai já estamos chegando? Falta muito? Já ta chegando?

- Maura eu não vou mais responder ele.

- Uí Carlos o moleque só ta perguntando.

- Sim mais é a nona vez que ele pergunta em menos de dez minutos, e nós nem saímos do lugar.

- Não desconta seu nervosismo no meu neto não, não desconta nele.

- Queria descontar no cunhado que deu a idéia de sairmos esse horário, mais ele ta dormindo desde que entrou no carro.

- O que você disse?

- Nada, só falei que não vai andar nunca.

- Sei, sei...

- Já chegamos, falta muito?

- Cala a boca moleque.

- Miele não fala assim com o seu irmão.

- Falta muito, já chegou?

- Quieto Junior não está chegando, falta muito, pelo jeito não vai chegar nunca.

Um dia antes, véspera da véspera do ano novo.

Como todos os anos a família se preparava para a descida para a praia – A família: A mulher Maura, dona de casa supersticiosa que não fica um ano sem ir pular as ondinhas, levar oferenda pra Iemajar, comer sete uvas, e fazer todas as outras “mandingas” que podem ser feitas pra se ter um ano bom. O marido Carlos não acredita nessas coisas, mais como a maioria dos Brasileiros só tem essa oportunidade no ano de descer para a praia. Junior tem 8 anos e suspeitam que ele seja hiperativo. Suspeita essa que surgiu num sábado, que ele acordou meia hora mais cedo que todo mundo, pintou as paredes da casa com giz de cera, deu banho no gato dentro do aquário, fez panqueca para o cachorro e acordou todo mundo com chorando porque estava preso no lustre que até hoje ninguém sabe explicar como ele foi parar lá. Miele adolescente dos seus 15 anos está indo para a praia com os pais a contragosto, já que segundo ela está sendo obrigada a ir, porque não se manda, como diz o pai quando ela o questiona. Ela não consegue ficar longe do computador, das amigas, do celular. Não suporta criança, principalmente o irmão, e acha careta ter que ir todo ano para praia com a família.

Todos estavam muito animados, exceto Miele, com os preparativos para a rotineira descida para praia, quando algo que aconteceu mostrou que esse ano seria diferente dos anteriores. E esse acontecimento foi a chegada da mãe de Maura, a avó de Miele e Junior, e sogra de Carlos. Que apesar de ser sinônimos para a mesma pessoa tem uma importância diferente. De Avó para sogra a figura muda muito. Quando dona Margot chegou – Margot, viúva, 65 anos, mãe e avó maravilhosa, sogra nem tanto. Foi uma surpresa pra todos, pois ela não avisou que viria, até porque se avisasse não seria surpresa e se avisasse o genro daria um jeito de falar pra ela não vir, talvez seja por isso que ela não tenha ligado. E a surpresa maior ainda foi porque ela estava com uma mala, quer dizer duas malas, o cunhado estava junto. Cunhado do carlos, irmão da Maura, tio de Miele e Junior, filho da Margot. Mauro, 27 anos, desempregado, filhinho da mamãe, é tão mimado que ainda mora com ela, sangue suga como todo bom cunhado que se preze.

A chegada da sogra e do “mala” não estava cheirando bem para Carlos, então logo veio a duvida, o que estariam eles fazendo na sua casa em pleno dia 30, e pior de mala e cuia? Talvez por reflexo ou esperança, ele chegou a acreditar que eles estivessem passando, só pra desejar feliz ano e então partir para o destino onde passariam a festa e usariam o conteúdo da bolsa. Contudo antes que ele pudesse tentar, começar a investigar, com cuidado pra não revelar que estavam prestes a viajar, a mulher deu logo com a língua nos dentes, e pra piorar disse que a casa que estavam indo era grande. Noticia essa que fez com que a sogra abrisse logo o jogo e se convidasse pra passar as entradas de ano novo junto com a família, convite esse que deixou a Mulher felicíssima, mas acabou com as esperanças de Carlos, de que aquelas malas não dividiriam o espaço do porta-malas com as dele.

Eles terminaram de colocar as coisas no carro, então Carlos iria dar uma descansada pra não correr risco de cochilar durante a viagem já que viajavam sempre de madrugada, exatamente 1 hora da manhã, hora que iam todos os anos para não pegarem transito. Quando o folgado, digo o cunhado, deu a idéia de viajarem depois do almoço no dia seguinte, argumentando que tinha visto na televisão, que a maioria das pessoas sairia na madrugada da véspera, da véspera, ou na parte da manhã da véspera. Todos sairiam esses dois horários por que achavam que ninguém ia ter essa idéia então não pegariam transito. Tese essa que também era praticada, e comprovada, por Carlos. Porem antes que Carlos pudesse dar sua replica, confirmando que esses seriam realmente os dois melhores horários para sair, a idéia do cunhado já tinha sido apoiada pela sogra dele, e também por Miele, que partia da idéia de, quanto mais tempo demorasse pra sair, menos tempo ficaria longe das amigas, do computador, do celular, e menos tempo perto do irmão. Logo já eram três contra dois, a mulher apoiou a maioria dizendo que – poderíamos tentar uma vez, sempre saímos no mesmo horário com medo de pegar transito, vamos arriscar ir amanhã. O marido nem deu a réplica já foi direto pra tréplica, tentou fazer a mulher usar a lógica, mais nenhuma lógica bate ao apelo de uma mãe, ainda mais em véspera de ano novo. Era isso, véspera, da véspera e sem o apoio de ninguém da família. Sem poder fazer nada ele foi obrigado a ceder, era muito tarde pra começar uma rebelião, então o maximo que pode dizer foi:

- Depois não digam que não avisei.

Durante a noite o Pai da familia não conseguiu dormir direito, virou e revirou na cama, levantou umas duas vezes, pensando que tudo aquilo na passara de um pesadelo e que talvez ainda fosse dia 29/12. Mas tropeçou no cunhado, que estava dormindo na sala, quando estava indo pra cozinha. Então se tocou que era verdade, e pior eles passariam a virada com eles. Isso o assustava mais ainda, se todas essas coisas que dizem sobre a virada, que a cor, a forma que é comemorada, e principalmente quem esta junto com você na virada influencia como será o seu ano for verdade, ele poderia estar correndo um sério risco de ter um ano ruim. E isso o assombrou durante toda noite, e até um pouco antes de sair de casa, que foi quando realmente caiu a ficha, que ficaria dentro de um carro fechado durante 3 horas dentro de um carro com a sogra e cunhado, e isso seria só o começo já que ficaria também um fim de semana inteiro com os dois.

Sem conversar muito iniciaram a viajem, há primeira hora fora tranqüilo, parece que o pateta, quer dizer, o cunhado tinha acertado, o transito estava fluindo normalmente. Passou o primeiro pedágio e nada de transito. Segundo pedágio e tudo correndo bem. Parece que Carlos se precipitou em julgar mal o cunhado, talvez por trás de toda aquela preguiça, folga, cara de pau, etc. existisse uma esperança. Infelizmente Carlos pensou isso cedo demais, o que ele esperava aconteceu, pois 100 metros depois do segundo pedágio ele viu uma fila, sim e pelo jeito não era uma fila pra receber algum premio, era o transito que ele tanto temia. O transito que se eles tivessem saído de madrugada como o de costume teria evitado. Mas não o cunhado quis se intrometer, e a mulher quis ficar do lado do irmão. Antes que ele pudesse jogar na cara do cunhado o que o tapado tinha feito, o malandro já se botara a fingir que estava dormindo. E o silencio que reinou no carro nas duas primeiras horas, deu espaço para os chutes de quem descobriria primeiro o que teria acontecido pra se formar o transito.

Foi algum acidente com moto, por isso que eu não gosto de moto, qualquer coisa você é o para-choque, Deus que me livre meu filho numa moto. Disse a mãe.

Devem ter atropelado algum animal silvestre. Chutou a sogra.

Poderia ser você sua jararaca. Pensou Carlos.

Foi algum ônibus de turismo. Arriscou a filha.

Acho que foi um motoqueiro, que atropelou um viadinho, que fez o ônibus perder o controle e tombar. Falou com segurança o Junior.

Enquanto o cunhado continuava a fingir que estava dormindo.

Passaram as horas e o transito andava mais lento que a justiça Brasileira. Já era 07:00 horas e ele estavam ali ainda. A água já tinha acabado, as bolachas e salgadinhos tinham ido já na primeira hora. O nervosismo tomou conta do carro.

Pai já estamos chegando? Falta muito? Já ta chegando?

Maura eu não vou mais responder ele.

Uí Carlos o moleque só ta perguntando.

Sim mais é a nona vez que ele pergunta em menos de dez minutos, e nós nem saímos do lugar.

Não desconta seu nervosismo no meu neto não, não desconta nele.

Queria descontar no cunhado que deu a idéia de sairmos esse horário, mais ele ta dormindo desde que entrou no carro.

O que você disse?

Nada, só falei que não vai andar nunca.

Sei, sei...

Já chegamos, falta muito?

Cala a boca moleque.

Miele não fala assim com o seu irmão.

Falta muito, já chegou?

Quieto Junior não está chegando, falta muito, pelo jeito não vai chegar nunca.

...

Carlos já se acostumava com a idéia de ter que passar a virada no carro.

Maura só conseguia pensar nas ondinhas, nas uvas, e em todas as outras mandingas necessárias.

A sogra já tinha se arrependido de se fazer de coitada pra filha, mais ao mesmo tempo se sentia recompensada em ver o genro bravo.

Miele chorava e durante o intervalo dos choros gritava, eu queria ter 18 anos, queria ter 18 anos, queria ter 18 anos... Mal sabe ela que depois dos 35 ela vai gritar isso todos os dias.

E o cunhado, continuava a fingir que estava dormindo.

As diferenças começaram a ser jogada na cara depois da quinta hora dentro do mesmo carro.

Mãe, pai, eu acho que fui adotada, sou muito diferente de vocês. Não queria ir pra praia, não gosto de ficar junto com todos, e não posso ser irmã deste tapado. Junior tira o dedo do nariz e se sente ofendido, mesmo não sabendo o que tapado significa.

Eu também acho que sou adotado, pai e mãe. Podem dizer já sou um homem, eu agüento. Não vejo semelhança nenhuma entre nós. Vocês são mesmo meus pais? Ou pelo menos me diz que a Miele é adotada que já ta de bom tamanho.

A mulher manda os dois parar de falar besteira e também solta o verbo. Nenhum de vocês é adotado, vocês acham que se não fosse cria minha eu iria adotar? É mais facil eu doar vocês do que ter adotado outros.

Minha filha não fala assim com os meus netos, se estamos aqui presos, e nervosos não é culpa deles e sim desse seu marido incompetente.

Espere aí, quem teve a idéia genial de sair depois do almoço foi seu filho. Eu já tinha me programado, alias fazemos da minha forma todos os anos. Mais quando a senhora apareceu na minha porta com o Mala eu pressenti que infelizmente não seria como os outros anos. Só de te ver na porta subiu um frio na minha espinha, só que infelizmente eu estava certo. Diferente do seu bebê.

E o cunhado pensou em levantar e se defender dos insultos, mas sabia que corria o risco de ser jogado para fora do carro, então se manteve firme, se fosse preciso passaria a virada fingindo que estava dormindo.

O carro pegando fogo, a discussão já estava no auge, a ponto do marido bater na sogra, a irmã enforcar o irmão, a mulher sair correndo e o cunhado continuar dormindo, quando do nada o transito começou a andar. Sem mais nem menos. Calando a discussão.

Apesar de tudo chegaram na casa da praia, com tempo para se arrumarem, com tempo da mulher fazer as mandingas, a tempo do Junior brincar e sujar as 3 roupas brancas que tinha sido levada pra ele, com tempo de ver os fogos. Todos comeram, trocaram abraços, desejos de boas entradas, promessas, etc.

E como toda boa festa de ano novo terminou em choradeira. Choro da sogra pedindo desculpa, da mulher aceitando a desculpa, do cunhado fingindo que estava chorando, da criança chorando porque os adultos estavam chorando, da filha chorando no celular com as amigas e do Carlos (marido/pai/cunhado/genro) chorando porque teria que agüentar todos durante toda a viagem de volta.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 15/04/2011
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