ACROBACIA SEXUAL
ACROBACIA SEXUAL
Leogevildo reside há muitos anos no primeiro andar de um antigo e pequeno edifício de três pavimentos, com dois apartamentos por andar, em Honório Gurgel, na Zona Oeste. Casado com D. Esmeraldina há mais de 30 anos e sem filhos, aposentado pelo INSS, ele somente saía de casa para ir ao banco receber o pagamento e, aos sábados à noite, para ir ao baile da Associação Atlética Vila Isabel, lá na 28 de Setembro. D. Esmeraldina, beata pra ninguém botar defeito, quando não estava na igreja estava no bingo, vício antigo. Fora isso, Leogevildo preferia ficar em casa cuidando das plantas, consertando uma coisa ou outra e, sempre que podia, paquerando a vizinha.
É que no apartamento de fundos, do segundo andar, mora Jussara, uma tremenda morena, 25 anos, transpirando sensualidade, casada, mãe de um casal de filhos pequenos, corpo escultural, busto proeminente, perfil de italiana. Desde que seus pais morreram, há aproximadamente de 10 anos, que ela se casou com o Juvenal e está naquele apartamento. A partir do nascimento da filha caçula, hoje com 6 anos, o relacionamento entre eles azedou. Brigavam por qualquer motivo e a qualquer hora, não economizando palavrões e incomodando a vizinhança sem o menor constrangimento. Sem mais nem porquê armavam logo um barraco, o que geralmente acontece na copa, durante o café da manhã, tendo como trilha sonora o berreiro ensurdecedor das pobres crianças. Dos fundos do seu apartamento, no andar inferior, Leovegildo só conseguia visualizá-los da cintura para cima.
De segunda à sexta, pela manhã e à tarde, sempre que ouvia o barulho de chave na porta do apartamento da morena, Léo, como D. Esmeraldina o trata, corria para a janela da frente do seu apartamento, tudo para não perder os raros momentos em que ele podia vê-la de corpo inteiro, indo e voltando. Pela manhã, quando ela ia comprar o pão na padaria praça e, à tarde, ao levar as crianças para a escola, que fica numa rua atrás do edifício. Léo não compreendia como Juvenal era indiferente àquele monumento de mulher, a seu pensar um desperdício inadmissível, assim como rasgar dinheiro.
Um belo dia, a filhinha de Jussara toca a campainha do apartamento de Léo e o surpreende com a entrega de um convite para a festa junina da escola. Seu Léo, minha mãe pede para o senhor não deixar de ir à festa sábado, porque quem levar mais convidados come e bebe de graça, disse-lhe a linda menina já desaparecendo na escada do prédio. Léo ficou um bom tempo lendo os dizeres do convite em cartolina rosa. Entrou, fechou a porta e correu para os fundos, certo de ver Jussara, mas somente viu o balançar da velha e desbotada cortina de lona.
No sábado seguinte, já pela manhã, dava pra perceber a algazarra e o sobe-desce de crianças na escadaria do edifício. D. Esmeraldina muxoxeava, reclamando da correria e do bater de portas ainda tão cedo, ao mesmo tempo em que colocava o xale quadriculado sobre os ombros, preparando-se para sair. Léo procurava acalmá-la, pedindo-lhe paciência e tolerância, arrematando que afinal vizinhos são assim mesmo. Com a saída da esposa, Léo começou a planejar como se aproximar sutilmente de Jussara durante a festa, sem que os vizinhos notassem qualquer coisa e dessem com a língua nos dentes. Não podia esquecer que mulher casada é igual a pipoca, basta dar uns pulinhos e cai logo na boca do povo. Não obstante, nada o impediria de agradecer pessoalmente a gentileza do convite e procurar ser o mais simpático para Jussara e as crianças, na ausência do marido e do pai desnaturado.
A hora estava chegando e Léo precisava preparar-se passo a passo. Separou um traje bem esportivo, acomodando as peças sobre a cama. Para aliviar a tensão, tomou um refrescante banho de ducha e depois deitou-se por instantes no sofá da sala, somente de sunga. Menos de dez minutos após ele já estava frente ao espelho, camiseta pólo, calça jeans e tênis branco, gesticulando e fazendo poses, num aquecimento para o imprevisível. O início da festa estava marcado para as 16 horas, mas ele queria chegar um pouco mais tarde, pois precisava encontrar o colégio bem cheio quando chegasse. Afinal, ele desconhecia ou não tinha intimidade com a maioria dos pais e convidados. Parou junto à entrada principal e garimpou com o olhar os que estavam em pé e sentados. Sem qualquer dificuldade, localizou Jussara junto ao palco, com uma flor vermelha no cabelo, duas grandes argolas pendentes das orelhas e um comprido colar de prata esparramado sobre o colo farto. Compenetrada, ela ajeitava o laço do chapéu da filha, ao mesmo tempo em que ralhava e apertava o braço do menino por algum motivo que entendia justo.
Sem se fazer notar, Léo esgueirou-se por entre as mesas e aboletou-se na extremidade do balcão do bar. Pediu uma gelada e, para disfarçar, olhava sempre em sentido contrário ao que estava Jussara. Não demorou muito e a menina que entregara o convite o reconheceu e correu para avisar a mãe, que de imediato virou a cabeça e precisou acenar duas vezes para que ele se aproximasse, pois na primeira, Léo fez-se de desentendido. Após cumprimentá-lo e agradecer a sua presença, ela ofereceu-lhe a única cadeira vazia da sua mesa. Sem jeito e nervoso, ele ainda relutou, fazendo tipo e tentando declinar do oferecimento, mas acabou sentando-se. Jussara a todo instante desculpava-se pelo comportamento irritadiço do filho, que batia nervosamente com as mãos na mesa, insistindo para que ela comprasse sorvete. A menina a tudo assistia calada e resignada, o seu olhar sofrido e melancólico denunciava que a mãe não tinha dinheiro para fazer qualquer despesa, aguardando o momento de ser agraciada com a gratuidade, uma vez que faltava chegar ainda muita gente que ela convidara. Era a senha que faltava para que Léo descartasse a sua timidez. Esticou a perna e puxou do bolso uma bolada de notas, dando uma de dez ao menino para que ele comprasse o tal sorvete, no que foi imediatamente repreendido por Jussara. Afinal, o que ele iria pensar dela, se mal acabara de conhecê-lo? Mas diante dos convincentes argumentos de Léo e para que a recusa não denotasse desfeita, ela agradeceu a gentileza, não sem antes recriminar o comportamento rebelde do filho. Criança é criança, disse ele, enquanto o menino corria e saltava alegremente, para retornar em poucos minutos, ofegante e sorridente com a casquinha de sorvete.
O olhar tristonho da menina logo readquiriu o brilho próprio da sua idade, quando viu o irmão dar uma generosa lambida na bola de chocolate, o que deixou Léo comovido e sensibilizado. Sem perda de tempo deu o troco à menina e separando outra nota de dez perguntou a Jussara se ela o acompanharia numa cerveja. Diante da resposta afirmativa, ele foi até ao bar comprar a bebida, combustível eficaz para a desinibição. Bastou duas cervejas para que Léo ficasse a par de tudo que precisava saber acerca do martírio vivido por Jussara, vítima de violências e grosserias do marido há quase seis anos. Entre um fato e outro, ela se desculpava por estar lhe confidenciando assuntos tão particulares, sem atinar que era a munição que ele precisava para o decisivo ataque. Quase ao final da festa, sem a presença das crianças, e já mais à vontade, Léo disse para Jussara o que ele considera o seu carro-chefe: gostaria de lhe adotar. Ela limitou-se a sorrir e calou-se, pontilhando o olhar de interrogações.
No dia seguinte, domingo à tarde, o celular de Léo vibrou no seu bolso e acelerou o seu coração, era Jussara desculpando-se por ligar e pela ousadia de ter anotado o número do seu telefone durante a festa, no exato momento que ele deixara o aparelho na mesa para comprar a cerveja. Léo disse-lhe que ela sim merecia desculpas, por sua indelicadeza em não lhe dar um cartão. Mas afinal, qual a razão da surpresa, o que ele teria feito ou falado que a aborrecesse? Nada disso, sussurrou Jussara, eu só queria saber o que o senhor quis dizer com o “gostaria de me adotar”. Ora Jussara, respondeu Léo, é isso mesmo que você entendeu, quero ser seu amigo e parceiro para qualquer assunto, ajudando-a no que for possível. O que não pode é você, tão jovem e bonita, continuar sendo maltratada, incompreendida, além de ser menosprezada com a indiferença do seu marido, isso não é vida. Sempre que você quiser e puder nos encontraremos fora daqui. Não se preocupe, pois o que eu menos desejo é lhe criar problemas, você já os tem em quantidade. Tá legal, disse Jussara, aceitando a oferta, prometendo ligar.
Três dias depois ela ligou e combinaram ir a um motel no sábado, pela manhã, ficando acertado que se encontrariam numa praça próxima por volta das oito horas. Até lá, Jussara praticamente não saía da sua copa, deixando-se admirar e permanentemente excitada pelos beijos jogados pelo seu protetor. Chegado o dia, Léo chegou meia hora antes no local marcado e estacionou sua Fiat Tipo sobre a calçada, deixando a porta do carona entreaberta para que não perdessem tempo, com os olhos fixos no retrovisor. Ao vê-la aproximar-se, ligou o carro e aguardou a sua entrada. Sem praticamente trocarem palavras, tamanhos eram o nervosismo e a preocupação de ambos, chegaram ao motel e entraram na garagem privativa do apartamento. Léo deu-lhe a chave, pedindo-lhe que se adiantasse enquanto ele checava se estava tudo em ordem. Ao sair do carro e já com um pé na escada, empurrou a porta do carro para fechá-la, quando lembrou-se que deixara a chave na ignição. Num salto acrobático, ele conseguiu segurar a porta antes que ela batesse, sem contudo evitar que a extremidade superior e pontiaguda da porta da Fiat o atingisse fortemente na testa, abrindo um profundo corte. Com a garagem às escuras (a lâmpada se apaga automaticamente) e sem saber a extensão do ferimento, Léo passou a mão no local atingido, sentindo a quentura do sangue por entre os dedos. Protegeu o local com um lenço, pegou a chave, bateu a porta do carro com raiva e subiu a pequena escada com imensa dificuldade.
Jussara já na cama de calcinha e sutiã, ao ver o parceiro segurando um lenço junto a testa, levantou-se e o puxou pelo braço, levando-o para o banheiro. Só então foi que Léo pode avaliar a extensão do estrago. Não é melhor irmos ao hospital e deixamos para outra vez, gritou Jussara visivelmente nervosa. Léo ouviu em silêncio e pensou lá com seus botões: não posso de jeito nenhum adiar essa estréia, tem que ser hoje. Lavou o rosto, fez uma bola de papel sanitário, comprimindo-a com a mão esquerda sobre a testa. Apenas com o braço direito livre, ele desabotoou a camisa, afrouxou o cinto, arriou a calça e, sem desequilibrar-se, aprofundou-se inclinadamente em Jussara, que o recebeu cheia de cuidados. De olhos esbugalhados pelas intensas arremetidas, mas reconhecida pela competência do parceiro, ela deixou que ele se aliviasse, escorando-o com o cotovelo para que não caísse da cama, ao mesmo tempo que sufocava o riso para não acabar com o clima, ao lembrar-se dos contorcionistas do “Cirque du Soleil” que assistira na televisão semana antes. O tempo passou e até hoje, cinco anos após, Léo e Jussara continuam se vendo e se encontrando quando podem, ele agora usando boné para esconder a feia cicatriz lembrança daquele bizarro episódio.