O Caso da Emenda Que Saiu Pior do Que o Soneto

I

Feita a chamada das partes, o datilógrafo retornou incontinenti ao seu posto de trabalho. Em seguida a advogada do reclamante, o preposto e o procurador da empresa deram entrada na sala de audiências e se ajeitaram em seus respectivos lugares.

Além das citadas personagens, já se encontravam no recinto dois ou três estagiários de direito ostentando rostos cansados e sonolentos, o Juiz do Trabalho, o datilógrafo e um curioso que parecia não ter nada melhor para fazer naquele dia quente de verão que não fosse assistir a uma monótona sucessão de audiências trabalhistas.

Uma cadeira, no entanto, permanecera vazia: não se percebia no local o menor sinal do reclamante. E a advogada deste já se pegara por duas vezes olhando desconsoladamente para a porta da sala.

O caso é que aquele processo lhe houvera demandado muito trabalho e estudo e a ausência do reclamante na audiência constituía fato por demais penoso.

Seria mesmo uma pena – constatara ela – seria uma pena se o juiz determinasse o arquivamento dos autos...

II

Como num passe de mágica, entretanto, uma idéia absurdamente simples e feliz surgira na mente da nossa heroína, personagem principal deste enredo.

De imediato ela pediu a palavra ao juiz. E se dirigindo de forma um tanto quanto vaga e imprecisa aos demais componentes da mesa, deu-lhes a grave notícia de que há pouco o seu cliente lhe enviara importante mensagem no celular.

O homem lhe confidenciara haver sofrido um acidente de trânsito numa das ruas do centro da cidade e que naquele momento já se encontrava recebendo os primeiros socorros num dos hospitais da Capital.

O juiz, o preposto e os procuradores das rés se entreolharam preocupados e imediatamente expressaram os seus votos de saúde para a advogada do autor. Ao mesmo tempo em que se puseram a lamentar a má sorte deste, teceram diversos comentários acerca das melhorias que se faziam necessárias no caótico trânsito de Belo Horizonte.

Foi então que a advogada do reclamante se aproveitou do momento proprício e requereu do juiz o adiamento da audiência.

III

Mal havia, porém, transcorrido alguns segundos desde que se estabelecera o diálogo e a cena descrita no capítulo anterior, quando - de repente! - ninguém menos do que o próprio reclamante escancara a porta da sala de audiências e realiza diante de todos uma entrada dramática e triunfal.

Ele se apresentava muito bem vestido e não se vislumbrava no seu corpo ou em suas vestes nenhum sinal, mancha ou arranhão que denunciasse haver o homem sofrido um acidente. Veio caminhando num passo tão firme e seguro que eliminou de vez qualquer resto de dúvida que ainda pudesse existir quanto ao excelente estado de sua saúde. Em seguida ocupou com satisfação a cadeira vazia localizada à esquerda de sua defensora.

Nesta altura, porém, ela é que já não sabia mais aonde esconder o rosto e a vergonha que começara a sentir pela mentira inventada pouco antes.

E antes que o reclamante tivesse tempo de abrir a boca e dizer qualquer coisa que a colocasse em situação ainda pior, a advogada se adiantou e a ele se dirigiu:

- Uai, você conseguiu vir?!

- É! Eu vim, respondeu-lhe o sujeito sorrindo e sem se dar conta da multidão de olhares curiosos e repreensivos que continuavam a acompanhar com interesse todas as suas reações e movimentos.

IV

No intuito de tentar se explicar, a advogada em seguida se dirigiu ao juiz e ao procurador da empresa:

- Meritíssimo... Senhor preposto... Ilustre colega... Peço a todos as minhas sinceras desculpas! Devo ter entendido mal a mensagem que recebi. O caso é que talvez...

- Doutora – cortou-lhe o juiz neste ponto – é melhor a senhora nem tentar explicar mais nada. Em casos assim a emenda quase sempre costuma sair pior do que o soneto!

Após ter “soltado” essas palavras, o meritíssimo “plantou” no rosto uma expressão “azeda” e principiou, sério, a folhear os autos daquele processo.

Então um dos estagiários de direito bocejou demoradamente no fundo da sala; o datilógrafo se espreguiçou em sua cadeira; o preposto da empresa trouxe à mesa uma série de valores e algarismos referentes a uma possível proposta de conciliação e, finalmente, a advogada do reclamante cochichou qualquer coisa no ouvido de seu cliente.

Em seguida partes e procuradores deram início a uma calorosa e saudável discussão jurídica.