GRANDE CHICO PRIQUITO

GRANDE CHICO PRIQUITO

Thereza Poesia

-Conheceu Chico Priquito? Baixinho, moreno, miúdo, corpo de menino de 15 mas os cabelos quase todos brancos. Usava sempre um casaco xadrez que parecia feito de toalha de mesa. Tomava uma dose de pinga na bodega de Tadeu e dava uma cusparada que chegava até o meio da rua. Fazia isso todo dia antes de pegar no batente. Era coveiro. O único coveiro de Santa Cruz do Inharé. Nem sei como é que ele agüentava cavar naquela terra dura, vai que era mais forte do que eu imaginava na flor dos meus 12 aninhos. Acho que você nem se lembra dele, mas eu me lembro demais, porque um dia, passando para a escola, vi a esposa dele sentada debaixo de uma algaroba na calçada, fazendo renda de bilro. Achei aquilo fascinante. O tilintar dos bilros nas mãos de uma rendeira é como uma harpa nas mãos de um anjo, é música pura. Ela vai tocando e aquela renda maravilhosa se formando entre os alfinetes. Resolvi aprender. Falei com minha avó, que falou com dona Joana Priquito(assim se chamava ela também) que resolveu me ensinar e eu passei a freqüentar a algaroba da porta da casa dela todos os dias depois da aula.

Quando não tinha defunto pra enterrar, seu Chico nos agraciava com sua presença na calçada e contava as coisas estranhas que ele já presenciara no cemitério. A pior delas, dizia, foi desenterrar uma velha depois de quatro dias morta, a filha andava sonhando que era preciso tirar a mortalha de seda da mãe, senão ela não daria sossego. A cidade ficou podre mas seu Chico foi lá e cumpriu com seu dever.

Dizia que na capelinha das almas, ficava sempre uma vela acesa, por mais que ele apagasse a tal vela, ela acendia sozinha e se tirasse a vela do lugar ela reaparecia. Logicamente eu menina ainda morria de medo, mas era fascinada por essas histórias e não demorou muito para que eu considerasse Chico Priquito o homem mais corajoso da redondeza.

Uma vez contou que ouviu um assobio dentro do cemitério, mas como estava sozinho, pensou que fosse a coruja, depois ouviu outro e mais outro, resolveu procurar, quando viu sentada em cima da cova uma cabocla nuazinha em pelo, com a boca muito vermelha lhe fazendo acenos para que se aproximasse. Com receio, segundo ele, não foi lá, veio pra casa, no outro dia, foi ver de quem era a cova, e constatou tratar-se de uma mulher dama falecida do coração na hora do bem bom. Dona Joana só sorria diante dos causos, balançava a cabeça e dizia: -Aí tem imaginação, viu minha fia? É só mode meter medo em você.

Fosse ou não imaginação, eu adorava e mais vontade tinha de fazer renda para ouvir histórias.

Doutra feita, trouxe um Peba do cemitério e mandou dona Joana cozinhar pra janta.

-Aonde encontrou ele, seu Chico?

-Tava lá, comendo resto de defunto, eu peguei ele mode cume.

-Virgem Maria, o senhor tem nojo não?

-De que? Ele só cumeu o que eu vou ser um dia, minha fia.Já cumeu, já cagou. Pió é nóis que come cadave de boi, de galinha,de porco...ôce num tem nojo não?