036 - URUTU CRUZEIRO....

Zé Pretinho saia todos os dias tangendo o gado pelos campos, sertão lá no alto do rio Paracatu no estado de Minas Gerais, sempre montado em seu cavalo branco, com seu olhar de gavião caracará a tudo enxergava, qualquer diferença no gado notava, um ferimento em uma novilha, um filhote nascido na noite passada, o umbigo tinha que ser curado no evitar da bicheira, enfim na sua cabeça todo aquele grotão, todas aquelas veredas nos mínimos detalhes conhecia, tanto sabia das coisas que viu um papagaio boiadeiro sair do oco de um tronco de coqueiro macaúba, já todo ressecado, na certa um raio nele fez o seu caminho para a terra.

Passava pertinho do coqueiro e ficava a escutar no certificar se os filhotes do papagaio já tinham nascido. Dias passados num sem querer ouviu o pipiar e pelo acontecido se alegrou, queria presentear a sua mulher, já ouvira varias vezes ela falar que gostaria muito de ter um papagaio em sua casa, que era uma tapera coberta de capim. Ansioso em agradar, mulher trabalhadeira igual àquela só se nascesse outra, pois aquela era a primeira em tudo, na cozinha, no lavar da roupa, no cuidar da casa e dos filhos e no carinho no aconchego daquela solidão.

Maldita hora, maldito desejo de presentear, parando seu cavalo ao lado do coqueiro, com a mão direita firmou as rédeas e com muito jeito para não machucar os filhotes a mão esquerda no cego palpar pelo oco do buraco foi procurando, poderia ter enfiado a mão em todos os outros buracos existentes em tantos troncos dos coqueiros, menos naquele, todo envolteado de cipó pelos quais a mortífera cobra também foi buscar os filhotes.

De repente alguma coisa tal qual um ferro incandescente grudou na ponta dos seus dedos no perfurar, a dor insuportável e no ligeiro tirando a mão do buraco arrastou também lá de dentro a fatídica cobra, um urutu cruzeiro, aquela que tem na cabeça o desenho de uma cruz, o brilho do sol a cruz refletiu e a morte certa anunciou, no sacolejo do braço a cobra pra longe desgarrada pelo capinzal desapareceu, mas Zé Pretinho conhecedor das coisas boas e más do sertão sentiu a vida acabada a não ser que...

Na rapidez de um raio saltou do cavalo, tirando da bainha seu facão estampado na lateral um jacaré, a mão ofendida firmemente apoiada sobre uma raiz grossa de um angico caído de velhices, levantando no golpear o aço em prata espelhou o sol, na firmeza do golpe decepou a mão e na raiz o facão também penetrou e se firmou, no esforço do desvencilhar no arranque para o alto o facão levantado foi tingindo de vermelho o sol.

Seu velho laço que tantos bois bravos dominou, na laçada perfeita e apertada na munheca ensangüentada a morte garroteou, com dificuldades montou em seu cavalo, tristeza do olhar na mão decepada no sertão abandonada, e com um leve toque de esporas, e um balançar das rédeas o cavalo entendido desembestou para o vilarejo.

Entre médico, curadores e benzedeiras já refeito Zé Pretinho jurou por todos os santos que nunca mais buliria em filhotes de papagaios, no braço cotó, a extremidade inflamada e dolorida tudo ali tinha que se esbarrar, nas caretas da dor, respirava fundo para suportar até que fizeram uma espécie de luva de couro grosso e vestiram naquele munheca que não mais carregava uma mão, mas a pavorosa lembrança de uma cobra chamada urutu cruzeiro.

Num dia de sol Zé Pretinho juntou todos os seus pertences que eram quase nada, colocados em cima de um carro de boi, que nem mais eram puxados por bois, mas pelo cavalo branco e uma mula de boa altura, mas de pouca largura de anca, passou pelo vilarejo no cantar do carro foi se despedindo de todos no acenar, sem ninguém apertar no abraçar e em toda a sua família lágrimas a rolar, investiram pelo sertão de Goiás para nunca mais deles se ouvirem falar...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 11/04/2011
Reeditado em 03/09/2011
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