Morte e ressurreição de Zefinha Pintada
Morte e ressurreição de Zefinha Pintada
Threzadilima
Inácia, parece que foi ontem quando eu escutei os gritos de Juvenal pé de quenga na porta do mercado:
-Morreu Zefinha pintada! Morreu Zefinha pintada!
- Como foi isso, menino?
- Sei não, ela foi dormir e acordou mortinha! Quer dizer, ainda tá mortinha! Gente, socorram a veia, ela tá lá mortinha!!!
E gritava, gritava...a cidade não tinha sistema de auto-falante, era Juvenal que dava qualquer tipo de notícias , porque sabia de tudo, vivia na casa de todo mundo fazendo mandados e ainda ajudava o padre Bianor, pelo menos a levar e trazer fofocas dos fieis.
Justamente por causa disso, é que descobriu a morte da finada Zefinha, chamada de pintada porque tinha inúmeras sardas no rosto e quando pequena, lhe chamavam oncinha pintada, depois de adulta, só a pintada sobreviveu, apelido que ela abominava, mas não tinha o que fazer, até Padre Bianor a tratava assim.
Zefinha também era ajudante da igreja. Varria, trocava a água benta, organizava as filas do batizado, marcava missas etc... como naquele sábado não apareceu na igreja à hora de costume, o padre mandou Juvenal em sua casa pra saber o que estava passando.
Juvenal era pé de quenga, porque tivera paralisia infantil e ninguém perdoava por isso, teve de empurrar esse apelido horroroso pela vida afora, como aliás, quase todo mundo dessa cidade.
- Vai avisá ao Pade, minino!
- Chama Chiquinha de Ferreira, ela é parteira, entende de doença!
-Ei, dona Filó, quase rindo responde Juvenal, a veia MORREU, MORREU, num vai tê fio não!
-Então traz Pade Bianô, mode benzê cumadre Zefinha! Vai logo, didinfiliz, tais esperano o que?
Foi o menino numa carreira “desbandeirada” até a igreja, aonde o padre já trocava de roupa para rezar a missa e celebrar um casamento.
-Pade, pade, o sinhô nem imagina o queu sei.
-Fala, criatura!
-Zefinha morreu. Tá mortinha lá deitada na cama. Eu empurrei a porta e entrei, porque chamei e ninguém respondeu três vêis, aí tava ela lá mortinha. Eu balancei ela, chamei que só, mas ela não se bulia, aí eu fiquei cum medo da bixiga e saí correno na rua avisano aos povo que a veia tinha morrido.
- O que? Oh, meu Deus, logo agora! Quie que eu vou fazer, senhor, rezo a missa, ou vou atrás dessa história? Já sei, vou rezar a missa pela alma de dona Josefa, depois vou lá tomar as providências.
E assim fez.De repente a igreja se encheu de beatas que sabedoras do acontecido, vieram encomendar a alma da amiga à Nossa Senhora, que é quem leva as almas pela mão. No sermão, o padre Bianor agradeceu e louvou a santa dona Zefinha, que tanto ajudou a morada de Deus, certamente agora estaria ela lavando a escadaria do céu para Jesus passar(porque mulher pobre quando morre, mesmo que vá para o céu, vira doméstica). Depois da missa, foi o padre e mais umas cinco ou seis beatas em busca da casa de dona Zefinha Pintada. Na soleira da porta já tinha uma touceira de gente esperando chegar alguém com mais autoridade para adentrar o recinto. Padre Bianor pediu licença, empurrou a porta e foi perguntando:-Tem alguém aí? Ninguém? Ô de casa!
Como ninguém o respondia, foi entrando e junto a ele o restante das pessoas curiosas que por ali esperavam.Na porta do quarto, estancou com o quadro: Deitada no leito, dona Zefinha parecia dormir, branca com pintinhas, imóvel...aproximou-se o vigário, tomou-lhe as mãos...-Tadinha, ainda está quente...até parece respirar...oxente, parece que tá respirando...dona Zefinha...Dona Zefinha...começou a gritar a plenos pulmões, sou eu, Padre Bianor, gritava enquanto sacudia a velha senhora. Dona Zefinha abriu os olhos sonolenta, com o rosto do padre em sua frente, só conseguiu sussurrar: -Tomei diazepan dimais, foi pade?
Vendo isto, Juvenal que também estava na comitiva, correu na rua a gritar:
-Corram todos, venham ver, pade Bianô ressuscitou a veia...corram todos....venham ver, foi a ressurreição...