A LENDA DE SÃO TOMÉ

A LENDA DE SÃO TOMÉ

Num dos dias mais frios do mês de junho, nhô Juca, figura muito conhecida na região, por ser uma personagem enigmática, o qual se sabia que era muito amável com todos que o conheciam, estava em seu rancho, a beira do Rio Piquirí, acendendo uma pequena fogueira para se aquecer. Ia assar pinhão, fruto da Araucária.

Era costume dos moradores dali, comer pinhão e também saborear o chimarrão, erva nativa.

Tinha muitos compadres, pois sendo uma pessoa muito antiga no lugar, ajudava a todos que o procuravam, com seus remédios caseiros, seus conselhos de ancião e seus belos causos.

No rústico rancho onde vivia, nos finais de tarde, recebia seus amigos. Sentados em banquinhos e pedaços de troncos, ouviam e contavam histórias, principalmente causos de assombração, boitatá, saci pererê e muitas outras.

Além da iluminação da fogueira, no centro do rancho usava-se uma lamparina de querosene.

Naquele final de tarde, como um ritual, seus companheiros, após um dia de lida na roça vieram conversar com o compadre Juca e também ver se ele não estava precisando de nada, pois era sozinho na vida. Dele não se conheciam nem mulher, nem filhos...

A conversa estava tão animada que nem perceberam a tempestade que se aproximava. O vento de tão forte, atravessava de um lado para outro do rancho, ficando impossível manter a lamparina acessa.

Os visitantes ficaram atemorizados, porém, Hhô Juca, em sua calma, começou a lhes contar uma nova história. Disse que aquela região já havia pertencido aos índios e que estes haviam construindo um caminho muito importante que abrangia os Estados de São Paulo, o Estado das Cataratas, Santa Catarina, e os Países Paraguai, Bolívia e Peru, percurso conhecido pelos índios como o Caminho de Peabiru, o Caminho de ida e volta ou o caminho da montanha do sol. Era uma trilha muito antiga e comprida, começava no Oceano Atlântico e terminava no Oceano Pacífico, atravessando a América do Sul. Tinha mais ou menos 3 mil quilômetros de comprimento e cerca de 1,4 mt de largura, mais parecendo uma grande valeta no meio da floresta.

-E este caminho ainda existe? Perguntou Pedro maravilhado.

-Claro que não, seu imbecil! Respondeu Amenegildo. Você acha que depois de tanto tempo as chuvas e o mato não destruíram ele?

- Calma meus filhos! Retrucou Hhô Juca! Deixe-me terminar de contar a história.

- Pois bem, os índios, nossos antepassados, tinham a sua sabedoria, não eram bobos não. Eles plantavam nesse caminho uma grama miúda que evitava que a chuva lavasse a terra e, ao mesmo tempo, impedia que as ervas daninhas invadissem a valeta. Assim, o caminho ficaria sempre limpinho, mais parecendo um corredor encarpetado de verde, bem fofinho.

-Ah, Compadre! Deixa de contar lorotas! Como os índios conseguiram plantar toda essa medida que o senhor falou? Três mil quilômetros! Isso é uma tremenda mentira, retrucou Amenegildo que,prontamente interpelado por Pedro que disse:- Deixe o compadre terminar.

-Pois bem, como eu lhes falei, os índios não eram burros não, essa grama era plantada em alguns trechos e ia se reproduzindo e avançando o caminho. E também soltava umas sementinhas gelatinosas que grudavam nos pés e pernas dos que por ali passavam, e a levavam pelo caminho, dessa forma, as sementes iam caindo e novos trechos iam sendo formados.

-Ah! Que espertos em compadre. Disse Pedro admirado.

E a conversa continuou, falaram dos índios, seus costumes e até da sua saída da região.

Nhô Juca, então resolveu contar-lhes sobre a lenda que envolve este caminho milenar.

- Sabem compadres, dizem que, por este caminho, andavam muita gente importante da nossa história. Ouvi, certa vez, um moço lá da capital, que tava cavoucando uns buracos na beira do rio, procurando sei lá o que, dizer que por aqui passou um homem branco, pois só existiam os índios, e este homem fez muita coisa boa para eles. Dizem que ele veio das águas, e que seu nome era Tomé ou Pai Zumé como os índios o chamavam.

Era um homem branco, alto, com longas barbas. Usava cabelos curtos com uma tonsura no alto da cabeça, igual as que os padres tinham. A roupa branca ia até os pés, amarrada por um fino cinturão de couro. Nas mãos trazia um livro semelhante ao Breviário dos sacerdotes e também uma cruz.

Por todos os lugares onde passava, deixava seus ensinamentos, condenando a poligamia e a antropofagia. Ele evangelizava os índios falando sobre o único Deus e seu Filho Jesus Cristo, que nasceu e morreu pregado em uma cruz e ao terceiro dia ressuscitou.

Em suas mensagens, ensinava o amor de Deus e ao próximo e que só se chegava ao paraíso quem aceitasse Jesus e fosse batizado.

Também ensinava aos índios, o cultivo de outros culturas como a cana-de-açúcar e o milho.

Por pregar a palavra do bem e censurar a imoralidade, causou grande revolta nos chefes e pajés, que furiosos mandavam persegui-lo, incendiando as cabanas onde se abrigava para descansar, disparando flechas e pedras no profeta. Ileso dos atentados sofridos sempre fugia pelas águas dos rios ou do mar.

Muitos dos antigos dizem que o homem branco era Tomé, apóstolo de Jesus Cristo, o que duvidou da ressurreição, pois pediu para colocar seus dedos nas chagas para ver o sinal dos cravos em suas mãos.

Por isso é que, até agora existe a frase: “Ser como Tomé: ver para crer”.

Como descreu, Jesus lhes deu a missão de pregar o evangelho nas terras mais longínquas do mundo.

Naquela época, o mundo era apenas o Oriente, a Europa, África e a Ásia. Dizem que Tomé foi primeiro para a Pérsia. Assim que concluiu suas pregações, entrou num barco de mercadores rumo as Índias. Alcançou a Índia chegando até a China. Depois avançou o mar, indo parar em ilhas não determinadas.

Como chegou no Brasil, não se sabe, apenas alguns padres jesuítas relatam sua passagem por estas terras. Seu percurso começava no Oceano Atlântico e terminava no Pacífico.

-Nossa compadre, esse caboclo viajou muito hem? Exclamou Pedro.

-Pois é, era a sua missão e nada o impedia. Porém, certo dia os inimigos conseguiram pegá-lo e o amarraram numa grande pedra. Furiosos surraram-no e o largaram desmaiado. Então, três grandes águias desceram do céu, cortaram as amarras e o libertaram.

Ele fugiu pelas águas da mesma maneira que havia chegado, e nunca mais ninguém soube do seu paradeiro. Os aventureiros acreditavam que ele havia enterrado muito ouro e pedras preciosas pelo caminho que passou. Os que se atreviam a cavoucar a terra naquele caminho, eram exterminados pela própria ganância, pois, o céu escurecia e uma forte tempestade se formava derrepente, com muitos raios que os fulminava.

-Cruz credo, nem quero saber de chegar perto desse tal caminho! Disse Amenegildo.

-E esse caminho ainda existe compadre? Pergunta Pedro.

-Olha, eu escutei uns moços, lá no boteco do seu João Pé Grande, falando desse caminho, dizem que ainda existe alguns lugares dele. Mas ainda tem mais. O Apostolo Tomé ou Pai Zumé, dizia que era para preservarem o Caminho do Peabiru, e se um dia ele fosse destruído pelos gigantes de ferro e aço, haveria muita seca, as aves e animais iriam acabar e as águas dos rios se tornariam escuras. Mas depois que o grande pássaro de aço passasse, e os jovens reconstruíssem o caminho voltaria abundância de peixes nos rios, , animais na floresta e a natureza voltaria a ser bela e exuberante. Entretanto, deixou uma recomendação:

-No novo caminho, só se deve passar a pé, com a intenção de reflexão e encontro com a natureza e Deus!

Nhô Juca enche a cuia com a água fervente da chaleira preta de ferro e repassa para Pedro. Todos ficam em silêncio. Apenas a fumaça dos palheiros sobe no ar.

- É preciso ver para crer...

Edina Simionato
Enviado por Edina Simionato em 08/04/2011
Código do texto: T2896102