Reminiscências 22

Chuvas, Riachos e Estrepolias

A água sempre exerceu, e ainda exerce, um fascínio sobre mim. Rios, córregos, lagoas, cachoeiras e a própria chuva marcaram minha infância de forma significativa.

Mesmo nos momentos que isso representava perigo (como eram os casos de tempestades), as lembranças são muitas.

Nestas ocasiões minha mãe colocava palhas bentas para queimar acreditando (e todos acreditavam) que amenizariam os efeitos de raios e trovões.

Foi numa dessas oportunidades que meus pais não estavam em casa e um enorme temporal se iniciou. Minha irmã Izabel (A Bé como ela ainda é chamada), fechou toda a casa e ficamos olhando pelas janelas os “cordões” de chuva que se formavam nos morros distantes.

De repente ouvimos um enorme estrondo e foi uma gritaria geral. Imediatamente ela empunhou um enorme terço que minha mãe mantinha na guarda da sua cama e todos nós pusemos a rezar.

Imaginamos a princípio que um raio havia atingido nossa casa. A fé foi tanta que a chuva foi diminuindo vagarosamente, mas não o suficiente pra alguém ir lá fora constatar o que havia ocorrido. E as orações continuavam.

Somente com a chegada de meus pais é que se pode constatar que o alpendre de nossa casa havia desabado completamente. Mas tudo se ajeitou.

Nas ocasiões de muita chuva a lagoa que ficava próxima a nossa casa ficava uma beleza. Nessas oportunidades, meus irmãos Cláudio, Raimundo e Dirceu saíam pra caçar rãs e muitas vezes eu os acompanhava. Uma aventura, regada de mistérios e medos que aos poucos eu ia vencendo com o apóio (lei-se bronca), dos mais velhos.

Outra aventura inesquecível eram as jangadas de tronco de bananeiras que eu e meu primo Osvaldo (O Valdo da tia Nazaré) fazíamos a fim de flutuar nas águas dos rios. Fazíamos poços, nadávamos e boiávamos até “virar farelo”. Uma loucura!

Também uma bela cachoeira ficava aos fundos do terreno de nossa casa. “Um perigo!”, dizia sempre a sábia e preocupada Dona Fia. Mas bastava um descuido por parte dela nós estávamos sempre dispostos a correr. E criança tem noção disso?

As “engenharias”, construídas por meu tio João Vená, movidas a água eram fascinantes!

Havia uma usina geradora de energia, já descrita em no capítulo “Ouvindo Rádio”.

Para nós crianças era um mistério de como tudo aquilo funcionava, e aguçava muito mais a nossa curiosidade.

Outra engenhoca, era o moinho de triturar milho.

Éramos proibidos de brincar em suas dependências. Primeiro por causa dos perigos que representavam e em segundo pelos danos que poderíamos causar em suas instalações.

Mas como “arte” pouca é bobagem, um belo dia eu e minha irmã Dora conseguimos entrar na “casinha” onde ficavam os MÓS (duas enormes pedras redondas) sendo que uma girava sobre a outra, a fim de moer os grãos de milho, transformando-os em quirera, fubá e outros produtos.

Liberamos a água e o equipamento começou a funcionar. Ficamos boquiabertos com o seu funcionamento. Como não tinha milho naquele dia, resolvemos colocar um carretel de linha entre as pedras para que ele fosse destruído. Resultado: as pedras travaram e o que se ouvia era apenas um ronco estranho e assustador.

Meio apavorados, desligamos o equipamento, trancamos a porta da casinha e abandonamos sorrateiramente do local.

Guardamos esse segredo até um dia em que meu pai precisou usar o moinho e ele não funcionava.

Imediatamente chamou o nosso “engenheiro” que após uma análise e desmontagem, das engrenagens constatou o problema e falou ao meu pai: “Isso só pode ser coisa de criança”. Só não apanhamos por muita sorte, mas que a bronca foi enorme, não tenham dúvidas.

Dizem que Deus protege muito mais as crianças, bêbados e velhos. Bem, deve ser verdade porque estou entrando na terceira fase e sempre pude contar com a sua proteção.

Lamento pelas crianças de hoje que não tem as oportunidades que tive.