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MEMÓRIAS DE UM SERESTEIRO...

Em minha juventude na pacata cidade de Itararé-SP, vivi muitas emoções, e dentre elas, lá pelos meus 17 anos de idade, eu e um amigo mais velho, costumávamos fazer serenatas às garotas, fossem nossas amigas, conhecidas, paqueras, enfim, às quais também pedissem...
Nessa saga passamos poucas e boas, mas foi muito divertido.
Saíamos em horas avançadas e, no silêncio da noite, minha voz ecoava acompanhada pelo lindo som de um violão que, nada superava seu timbre no sereno da madrugada...
Cantava MBP, canções românticas italianas, inglesas, espanholas e americanas. A canção Yesterday, dos Beatles, já havia sido regravada por uns 15 cantores no mundo, e era um dos hits que eu amava cantar num estilo à la Matt Monro...
Algumas canções do Roberto e Erasmo Carlos, Johnny Rivers, Johnny Mathis, Elvis Plesley, Gianni Morandi, Sérgio Endrigo, Renato e seus Blue Caps, eram parte do meu repertório.
Ninguém nunca nos incomodou, mais seriamente, e, certa feita, fazendo serenata à filha do juiz de direito da cidade, o “velho” apareceu na janela, meu amigo pensou: “É agora que vamos presos”. Porém, o homem nos convidou para tomar café em plena madrugada...
Voltamos muitas vezes em outras serenatas à filha do juiz, que era uma moça muito bonita, e não podia me ver já pedia serenata.
O que incomodava eram os cães. Não sei de onde saía tanto cachorro na noite. Nas ruas ou nas casas...
Comecei a perceber que tinha certo “feeling” para conversar com eles e acalmá-los. E sem o uso de petiscos...
Tornei-me, além de tudo, uma espécie de amansador de cachorros. Quando chegávamos próximo ao local da serenata, eu ia à frente para sossegá-los. Conversava com eles e sempre dava certo, ficava amigo e, os cães de rua, até nos acompanhavam.
Quando encontrávamos, em certa casa, algum mais “invocado” tipo poucos amigos, e não tinha jeito, adotávamos outro sistema. Gravávamos antes e fazíamos um som mais elaborado, depois levávamos um possante gravador e colocávamos pra tocar. E ficávamos fora da vista deste ou daquele cão mais intratável. O som também ecoava na noite e, depois de certo tempo, os cães paravam de latir...
Assim, agradávamos a todas as nossas admiradoras.
Outro problema que, vez ou outra, encontrávamos eram alguns dos pais das meninas. Um ou outro mais exaltado que não gostava daquelas músicas.
Porém, certo dia, apareceu na cidade um cantor e violonista de primeira. O cara tinha um belíssimo violão de sete cordas, um vozeirão que era quase o Nelson Gonçalves cantando. Seu repertório: só cantava Nelson Gonçalves. Era um exímio tocador de violão de sete cordas.
À época, comparado conosco, ele era um coroa, porém um sujeito de fino trato. Ficamos seus amigos. Passamos a encontrá-lo com frequência, convidá-lo para cantar em toda e qualquer oportunidade que surgia.
O mais interessante foi o apelido que demos ao violeiro cantador. Ele adorava cantar um samba gravado por Nelson Gonçalves de nome: Chico Dum-dum. Um samba falando de um malandro fictício que vivera no Morro do Esqueleto, no Rio de Janeiro. Pronto: passamos a chamá-lo de Chico Dum-dum. Ele gostava do apelido...
Fora resolvido o problema com alguns pais das garotas.
Quem é dos coroas da época, que não gostava das canções de Nelson Gonçalves?
Passamos a levar o novo amigo nas serenatas. E ele adorava cantar e tocar na madrugada. Era um verdadeiro show. O som daquele belo violão era de arrepiar na noite...
Avisávamos às jovens que iríamos fazer uma serenata especial para seus pais; elas davam a notícia e, era sucesso na certa.
O Chico Dum-dum cantava Nelson Gonçalves e logo após entrávamos com o nosso repertório.
Toda quinta, sexta-feira, até nos sábados, quando podíamos, lá estávamos à postos.
Assim vivi, até que me transferi para Ponta Grossa. Mas não perdi o ritmo.
Aqui, encontrei bons amigos e logo estávamos fazendo serestas.
Muitas vezes, por inúmeras razões, foi adotado o sistema de seresta eletrônica (gravações prévias). 
Também vivi momentos admiráveis por aqui.
Foi um tempo mágico. Havia tanta pureza nas aspirações que tínhamos: agradar às garotas amigas que nos pediam serestas, bem como tentar seduzir esta ou aquela paquera só com nosso talento musical... Tudo sem maldade, sem droga alguma, nem beber costumávamos.
Evocando essas lembranças, penso o quanto éramos ingênuos comparados com a juventude dos dias atuais.
Coisas tão singelas tinham um sabor de aventura, de satisfação plena e motivo para muita alegria...
Posso afirmar com a mais absoluta convicção: a música que sempre fez e faz parte da minha vida, deu-me as mais inesquecíveis lembranças, passagens pitorescas umas, emocionantes outras, que, numa outra ocasião qualquer eu conto...
PEDRO CAMPOS
Enviado por PEDRO CAMPOS em 06/04/2011
Reeditado em 23/08/2024
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