AS JÓIAS E O DENTE
As Jóias e o Dente
Joanilson
Rude homem da roça, o pai fazia pouca distinção entre o tratamento dispensado às filhas e aos animais. Tratava-os com a mesma rispidez.
Desde tenra idade a menina temia o pai por sua ignorância e truculência. Na verdade, ela o temia até quando este lhe abria um sorriso; para aquela frágil criança, aquele era um riso diferente, estranho, ameaçador.
Por volta dos quatro ou cinco anos de idade, ela já recebia severos castigos e até apanhara algumas vezes, apesar das interferências da mãe, boa senhora, sua defensora intransigente, que também sofria com a rudeza de esposo.
Ficou órfã de mãe aos onze anos. Aos doze, ganhou uma madrasta que fazia jus ao famoso adjetivo.
A adolescência, junto com as duas irmãs, não foi diferente da infância sofrida, justamente pela agravante da maldosa madrasta.
Para sua sorte, casou-se aos dezessete com um bom rapaz, que lhe deu amor e carinho, mas o trauma dos conflitos com o pai lhe acompanhou ainda por alguns anos.
O primeiro presente do marido, um colar de pérolas brancas, entremeadas por contas de ouro, ela só o experimentou. Não quis usar. O marido, por sua vez, não se preocupou com a recusa, mas estranhou tal atitude, já que se tratava de belíssima jóia.
Os anos se passaram e vários foram os presentes que recebera, todos em ouro, mas ela dava sempre a desculpa de que só depois iria usá-los.
Um dia, o marido incomodado em face de tanta recusa por jóias de significativo valor, quis saber qual o verdadeiro motivo de tal resistência, por que uma jóia é sempre objeto de desejo de qualquer mulher.
E o segredo lhe foi revelado: o ouro lhe fazia lembrar o antigo sorriso do pai, em cuja dentadura estava encravado um dente do precioso metal.
(Obs: Esta é uma obra de ficção, mas qualquer semelhança com fatos e/ou pessoas é mera coincidência).
22 de Março de 2004