O Voto Frustrado

Seu Antonio era um homem simples, de poucas letras e poucas palavras, mas muito sério com seus compromissos. Desiludido com a classe política, assim como tantos, de muitas letras e muitas palavras, jurou de pé junto que não votaria em mais ninguém. A situação agora, no entanto, era diferente. Recebera um “favorzinho” do Dr. Julião, candidato a deputado estadual e não podia fazer essa desfeita. Teria que comparecer com o seu voto.

Dia da eleição e lá se vai seu Antonio com a sua vestimenta domingueira, para a sua zona eleitoral. Apresentou seu título de eleitor e sua identidade, como determina a lei, a uma simpaticíssima mesário, dessas de primeira viagem, que indicou a localização da chamada urna eletrônica, para onde se dirigiu seu Antonio. Passou-se o tempo. Muitos minutos mais do que os esperados para que qualquer eleitor exercesse o seu democrático ato de votar, e nada do seu Antonio. Enquanto isso a fila crescia e as insatisfações também.

- Senhor Presidente, não é melhor verificar o que está acontecendo?

Falou um prestativo e preocupado mesário.

Antes que respondesse, dois respeitáveis fiscais de partidos retrucaram:

- Sr. Presidente, há de ser respeitada a privacidade do eleitor.

- Mas senhores, convenhamos, já esperamos muito tempo. A votação precisa prosseguir. Façamos o seguinte: eu vou até lá com os senhores. Está bem assim?

A dupla concordou e o trio dirigiu-se a “cabine” onde estava seu Antonio.

- E aí seu Antonio? Algum problema? Podemos ajudá-lo?

- É o seguinte: quero votá em doutô Julião, pra deputado estaduá, mas perdi os número que eu trouxe num papezim. Num vi que o borso da carça estava furado.

Não sem antes dizer que não devia revelar o seu voto, o presidente indagou:

- Seu Antonio, o sr. sabe o nome completo do seu candidato ou o seu partido?

- Sei não sinhô. Só conheço ele por doutô Julião.

Estabeleceu-se a confusão. Havia mais de um Julião candidato e de diferentes partidos. Cada um dos fiscais considerava ser o dono daquele voto, o que não ficou suficientemente esclarecido. Após acalorada discussão, seguida dos reclamos dos que esperavam na fila de votação, o Seu Antonio encontrou a solução:

- me dê meu tirtulo e minha dentidade que eu não vou votá em mais ninguém.

Saiu frustrado mas a burocracia eleitoral foi preservada.

Paulo Salles
Enviado por Paulo Salles em 05/04/2011
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