O Voto

Diferentemente dos grandes centros, o período eleitoral no pequeno município era motivo de festa. Talvez porque o contato entre as pessoas ocorresse de forma mais intensa. Todo mundo conhece todo mundo. A missa, a praça, o mercadinho, tudo se transformava em local de encontro. Até mesmo o juiz eleitoral era mais maleável no que tange a colocação de cartazes, distribuição de panfletos e coisas que tais.

Dr. Tenório era o quase eterno representante da cidade na Câmara Federal, apesar das poucas vezes que visitava a cidadezinha entre uma eleição e outra. Muito respeitado, recebera por herança todo o prestígio do seu pai. Ali nascera e passara a sua infância, antes de sair para estudar, como a história de tantos outros. Mantinha na cidade, muito bem cuidado, o belo e suntuoso casarão da família, fechado na maior parte do tempo. Tinha seus méritos. Não fora de todo omisso em relação ao seu torrão natal. Conseguira um grupo escolar, uma quadra de esportes, um espaço para abrigar a cooperativa de artesãos e recursos para os agricultores.

Sentia-se ameaçado no seu projeto de se reeleger. Já não havia mais os chamados redutos eleitorais, ameaçados pelo poder econômico. A dinheirama corria solta. Candidatos que nem se sabiam existentes. Coisas da política interiorana.

Seu José é um homem simples, trabalhador rural, semi-analfabeto, mas muito inteligente e perspicaz. Casado com Dona Antonia, tem três filhos adolescentes.

Sabendo que Dr. Tenório ocasionalmente encontrava-se no município, decidiu procurá-lo. E lá foi ele, trajando uma roupa maltrapilha, embora limpinha. Tinha que aparentar um certo ar de necessidade. Dirigiu-se então ao casarão onde sabia encontrava-se o candidato.

- Bom dia doutô Tenório, o senhor por aqui? Como tem passado? Continua candidato? O sinhô sabe que pode contá com eu novamente. Lá em casa agora somos cinco inleitores.

Conhecia seu José e sua família e sabia da sua lealdade. Fitou-o de cima abaixo, como se não soubesse a razão da visita.

- Olá seu José? Estou bem. E a sua família como vai? Sim, estou concorrendo mais uma vez, apesar das dificuldades.

- qui nada doutô, o sinhô já está inleito, pode acreditá.

Falou entusiasmado, como quem entende do assunto.

Mas doutô, eu queria mermo era que o sinhô me desse uma ajudinha, como sempre fez. Sabe como é.

Dr. Tenório, com ar sério respondeu, ajeitando-se no sofá de couro muito bem conservado apesar dos anos.

- Seu José, não se faz mais política desse jeito. O país mudou. As coisas agora são diferentes. A legislação eleitoral é muito dura.

Seu José, revelando uma aparente estranheza, replicou.

- mas o que isso doutô Tenório? Eu não intendo muito dessas coisa de lei, mas nun tô vendendo meu voto não sinhô. É que o sinhô sempre me deu um agradin quando aparece aqui de quatro em quatro anos. Vou votá no senhor de quarquer jeito, mas tô percisando de uma botina nova e queria dar um presentim pra minha véia. Num me leve a má..

O nobre candidato sabia que podia contar com a lealdade de seu José e seus votos não podiam ser desprezados. Sabia também da influência que Seu José exercia na comunidade onde morava. Conhecia a sua humildade e que não havia interesses escusos em seu pedido.

- está bem, seu José. Leve esses trocados. Agora, por favor, não diga nada a ninguém. Se meus adversários ou a justiça eleitoral souberem, vou ficar em maus lençóis.

Colocou algumas notas nas mãos do homem, que saiu com os dentes encostados nas orelhas.

- pode deixá doutô, ninguém vai ficar sabendo, nem mermo minha muié.

Já na rua, José encontra-se com um de seus compadres, o Severino, que foi logo lhe indagando:

- e aí cumpade, conseguiu arguma coisa do home?

- sim cumpade, duzentim, prá quebra um gaio. Vá lá mas nun diga que me viu nem que falô comigo.

-

E lá se foi seu Severino, esperançoso de também conseguir alguma coisa com o nobre candidato.