BICICLETA COM CACHAÇA
Bicicleta, cachaça e falta de vergonha são três coisas que, se misturadas dá um mau resultado, segundo reza a filosofia de nosso conterrâneo, o homem mais teimoso que temos na comunidade.
Em matéria de exigência, Zequinha era o Maximo em excelência; mais teimoso do que uma mula. Com o peso da idade tornou-se portador de necessidades especiais, com séria dificuldade para se locomover, não dava o braço a torcer.
Certo dia caiu no ponto de ônibus enquanto o aguardava para viajar. Logo apareceu alguém para ajudá-lo. Ele recusou aos gritos dizendo:- Se eu caio sozinho! Tenho que me levantar sozinho! Ninguém bota a mão em mim, isso é bão pra eu criar vergonha na cara e não ficar caindo na rua. Logo alguém chamou sua esposa.
– Qual o abiudo que chamou minha muié?
–Ah Zequinha deixa isso pra lá, o importante é ajudá-lo!
- Já falei que se caio sozinho levanto sozinho!
-Meia hora após arrastando alguns metros ele chegou até uma pilastra da guarita agarrou nela e se levantou. - Agora se arguns dóceis quizé buscá minha bengala eu acho bão! Nessa altura o coletivo já havia partido.
Entregou-lhe a bengala ele saiu resmungando, passando uma lição em si mesmo dizendo:
- toma vergonha e seja home, tão dizeno que o derrame atrapaiô sua cabeça, mais é conversa pra boi durmi, sua cabeça é a mesma a diferença é o cabelo branco, num sei se defeito nas pernas atrapaia cabeça-, dotor num sabe é de nada se subesse num murria ninhum tava tudo aí!
Em sua vida ativa sua a mulher e filhos passaram maus pedaços, ao seu lado comeram o pão que o diabo amassou com o rabo.
Numa certa ocasião o contratei para construir um piaol em minha propriedade. O que ele tinha de ignorante, tinha também de bom artífice.
Ele foi acompanhado do seu filho mais velho, um garoto de doze anos. Indo pra mata cortar a madeira para construção, fui levar-lhes o almoço, a meio quilometro distante, eu ouvia sua gritaria ecoando mata afora. Aproximei do garoto ele assobiando na maior descontração. Eu disse a ele: - Teu pai nesta gritaria e você assobiando? -Ah se eu me esquentar com isso fico louco Já me acostumei...
O pai gritava:- Pudrinho do Maromba, ocê é mesma coisa do pudrinho do Maromba! (Maromba era o apelido de um, nosso conterrâneo) -, assim que me viu abaixou o tom de voz. Então o perguntei: - por que potrinho do Maromba Zequinha?
– Maromba tinha uma égua pura de sela boa marchadeira, mais danada de feia -, seu irmão tinha um cavalo danado de bunito mais igual uma ferida de ruim de sela. Botaro o cavalo com égua pra tirar uma cria. Querendo um animal bunito igual o cavalo e bão de sela igual égua. Saiu feio igual à égua e ruim de sela igual o cavalo, meu minino saiu do memo jeito puxou meu tamanho e a ruindade da mãe dele... Esse pudrinho do Maromba!
Algum tempo mais tarde já com os filhos casados, ele adquiriu um pequeno sitio, plantou um canavial e deu de meia para fabricar cachaça.
Pronto o produto, ele foi buscar sua parte numa bicileta. Resolveu experimentar a qualidade da pinga, e acabou se embriagando, não era lá de beber e tinha pouca experiência com embriaguês. Tentou amarrar o barril na garupeira da bicicleta, não conseguiu, pediu ajuda ao dono do alambique, que acabou o convencendo deixar o transporte para outra oportunidade, visto seu estado.
Ele montou a bicicleta e saiu escrevendo na estrada inteira, no primeiro mata-burro estourou de cara nele. Ficou irreconhecível, alguém o levou para sua casa, apesar dos protestos dizendo que teria que ir sozinho e de bicicleta. Chamaram seu genro, por quem ele tinha certo carinho. Foi impossível convencê-lo, aceitar a busca de medicamento. – Ocêis fais um chá bem amargoso, isso num é doença não! É cachaça misturada cum bicicleta e falta de vergonha na cara. Eu misturei as treis coisa e deu no qui deu! Agora é bão sofrê pra tomá vergonha. Bicicleta cum cachaça e poca vergonha, num é pode misturá não!
-Atualmente acamado sem se locomover, com mais de oitenta anos, espera pela morte sob os cuidados da pobre e sofredora esposa.