JOAQUIM E O GUERREIRO NEGRO

JOAQUIM E O GUERREIRO NEGRO

Muitos negros que vieram de mãe África eram grandes guerreiros. Na fazenda de seu Manoel onde Joaquim sofria suas dores havia um guerreiro desses. Era um mancebo garboso, muito bem afeiçoado que despertava ciúmes nos homens da fazenda. Por isso, todos queriam de uma forma ou de outra livrar-se do rapaz. O moço, por sua vez, não curvava a cabeça para ninguém, era um homem muito soberbo para um escravo. Suas pernas eram duas armas letais, e gingava muito bem a arte marcial dos Orixás. Sebastião era seu nome. A fazenda de Manoel era muito grande, nem sei dizer o tamanho. A minha vista não alcançava o seu fim. Havia uma moça branca muito bonita que morava na fazenda, esta não era parente de ninguém lá, mas seu Manoel nunca quebrara um voto, e havia prometido ao seu compadre, o Seu Cunha, que cuidaria dela até ela casar-se. Ela recebera o melhor estudo, e era senhora em todas as prendas da casa. Seu Manoel a tinha, depois de certo tempo, como filha. Mas as coisas são não tão certinhas assim; parece que ela e Sebastião andaram se beijando, e a coisa ficou preta. O rapaz foi açoitado e ficou a beira da morte e causou muita preocupação aos seus irmãos de raça. Um velho negro que respondia pelo nome de Joaquim foi chamado para socorrer o moribundo que padecia de muita febre e dores provocadas pelo açoite. O velho ofereceu ao Orixá Omolu uma oferenda e rezou no rapaz; em sete dias ele estava em pé, embora fraco. Certo dia, o rapaz decidiu abrir o coração para o velho companheiro de senzala. Pai Joaquim estava, como sempre, calmo e pensativo a fumar o seu cachimbo.

- Meu velho, por-que nosso povo sofre tanto? Joaquim ficou calado por um instante, depois, se dirigiu ao rapaz dizendo:

- O sofrimento é patrimônio de todos os homens. Os homens sofrem sua ignorância. E a maior de todas é não vê uma essência única na criação de Zambi.

- O Senhor não respondeu a minha pergunta.

- Sofremos porque somos negros. Não há outra razão!

- Mas, então por que Zambi não faz justiça?

- A justiça não é um ato único de Zambi. Zambi fez tudo com sabedoria. Assim é a justiça de Zambi. A natureza agirá por si. Os homens podem guerrear por várias causas; isso não está totalmente errado.

- Mas, então, vamos apanhar calados?

- Gritar pode chamar a atenção do opressor e ele nos punirá sem piedade. Melhor aguardar a resposta da natureza pela força de Xangô que se enveredar pela guerra. Conte os nossos guerreiros, será que somam mais que os brancos? Então, a prudência do silencio poupará mais vidas.

- Sendo assim, morrerei sozinho, não esperarei o que não vejo. Pai Joaquim após apelar para a consciência do jovem, pedindo-lhe que não fizesse justiça com as próprias mãos, ou melhor, com as pernas, sentou-se num tronco de madeira, como de costume, e viu a silhueta do mancebo sumir rumo à mata. Quinze dias se passaram. O corpo do rapaz foi encontrado por pescadores nas proximidades de Arapiraca boiando no rio São Francisco. “Meu bom Jesus cuidai da alma deste moço”. Disse o velho com muita tristeza. Passaram-se anos, Joaquim estava esquecido de Sebastião. Era meia noite quando o velho viu uma forma escura como sombra se aproximando de sua gentil presença.

- Diga de lá que eu digo de cá. Disse o velho.

- Chamo-me Pinga-Fogo e quero trabalhar. Disse a sombra esquisita.

- Sabes rezar? Perguntou Joaquim a seu Pinga-fogo.

- Não! Gritou o homem desesperado.

- Então eu te acorrento a mim até que vejas o sol nascer como justiça para todos. E serás cobrador dos que devem à Lei Maior até que pagues o débito de tua ira. O que fizestes de errado na terra? Continuou o velho.

- Fiz justiça com as pernas.

- Ah, meu filho, você é o Sebastião! Meu filho a justiça não se faz nem com as mãos nem com as pernas. A justiça é feita com a cabeça e com o controle dos impulsos que estão escondidos dentro de nosso bicho interior. Todo homem tem uma onça dentro de si. Você não domou a sua, por isso, hoje, você é um Exu. E assim, seu Pinga-Fogo aprendeu a Justiça Maior caminhando acorrentado ao velho da senzala de seu Manoel Ferreira...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 03/04/2011
Reeditado em 28/03/2014
Código do texto: T2887578
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