A BEZERRA (re)JEITADA...

Quando passava pelo Vau do Córrego do Açude, naquele final de manhã de setembro, olhei pelo leito abaixo e avistei o Jacinto, apenas de ceroula e de cócoras sobre algumas pedras esfregando como louco uma calça de algodão que parecia ter sido branca. Tão entretido estava que nem se deu conta da minha presença.

O caso que aqui revelarei, foi por curiosidade que consegui os detalhes. Depois que presenciei a cena descrita acima, chamei o Jacinto às conversas e ele foi desatando tudo. Também, digamos, foi quase um flagrante que dei no moleque. Jacinto era o filho mais novo do meu compadre Ambrósio. Na época estava com dezesseis anos, isto se deu no interior das Minas Gerais, em 1958. Vê-se logo que não foi em tempos de tão doutras eras o fato que desvendarei.

Naquelas paragens os rapazes chegavam aos vinte e tantos anos sem experimentar o sexo. Não que fosse por simples opção, mas por absoluta falta de oportunidades. Para alguns sortudos que tinham namoradas, não era muito diferente, pois não se cogitava sexo com as ditas cujas, era demais para época. Assim, se não fosse com algumas viúvas já de idade avançada, bem às escondidas, sobrava como única opção algumas prostitutas da cidade, mesmo assim com extremas dificuldades. Primeiro pela falta de dinheiro, o pai é quem dominava este assunto, depois pelo acabrunhamento, já pensou se alguém descobrisse? - Seria o fim precoce do assanhado sem vergonha.

Fluíam-se os dias, meses e anos. Nada mudava no que se referia a sexo antes das núpcias naquelas cercanias. Mesmo assim, o assunto consumia a maior parte do pensamento e das conversas dos jovens da época. Alguns, mais afoitos contavam suas esquivadas. Certamente com diversos exageros, pois dessa forma seriam invejados no meio e até admirados. Outros, dado a riqueza de detalhes e a aparente veracidade das histórias que contavam, passavam até a aconselharem os mais amedrontados e os mais jovens. Tornavam-se autoridades no assunto e no grupo.

Não é exageração dizer que muitos iniciavam na vida sexual servindo-se dos animais da fazenda. Eram galinhas, porcas e ovelhas. Jamais podemos esquecer a preferida de todos, “a senhora égua”. Corriam notícias que numa Fazenda perto dali, fizeram até um casamento simbólico de um rapazola com uma quadrúpede lindíssima, que tinha, inclusive, trancinhas nas clinas. Diziam que durou dois anos e somente acabou quando o verdadeiro dono do animal a vendera para uns ciganos que passaram por lá. O que o sujeito sofreu com a brusca separação do animal foi comentado por muito tempo na região. Olhava o pastinho onde a mesma ficava e chorava de forma compulsiva. Com essas conversas os rapazes do lugar começavam a achar que aqueles atos eram normais, talvez fosse até certo. Mulheres pra eles não haviam. Quando aparecia alguma, antes deles chegavam os galãs das imediações e passavam a mão, literalmente. E eles, só de olho e de molho.

Na Fazenda do meu compadre Ambrósio tinha entre filhos e agregados muitos rapazes já em idade de se casarem. Jacinto era o mais moço. Ouvia a conversa dos mais velhos desde menino, já se sentia ambientado com os assuntos, mesmo os mais absurdos. Sabia que aquelas práticas vinham desde os tempos dos bisavôs, sendo a prática assim tão velha, pecado não poderia ser, pensava ele.

Na Fazenda, a treze meses atrás nasceu uma bezerrinha filha de uma vaca de estimação, dado o adestramento, qualidade e a quantidade de leite que produzia. Para infelicidade de todos foi a última cria da vaca Medalha. Morrera subitamente, teve complicações no parto.

Morreu, e a agora o que fazer da cria ? – Tentaram fazê-la alimentar noutra vaca. Escolheram a mais mansa, nem a bezerra quisera tentar nem a vaca colaborar. Já começava a sentir fome a coitadinha. Alguém teve a brilhante idéia de buscar na casa do vizinho um balde adaptado com uma mama de borracha, muito parecida com os peitos de vaca. Para a alegria geral, foi a salvação. Depois de alguns refugos, a bichinha, talvez pela própria necessidade, alimentou-se bem. Parece que até gostou da invenção, o leite fluía mais facilmente, já até parecia estar manhosa a safadinha.

Cresceu pela horta, correndo pelos terreiros e brincando na casa. Tornou-se domesticada e extremamente estimada por todos. Cada um queria mais acariciar a bezerra. Ela cada vez mais manhosa se deixava acarinhar, balançava o rabo como fosse em agradecimento.

Jacinto era o que dispunha de maior tempo livre junto dela. O pai queria que estudasse, contratou até professor particular, não queria ver o caçula embrenhado nos matos como todos. A mãe, para comemorar o ingresso do filho às aulas, fizera uma linda calça de algodão, bem fina, alvejada e com fios verdes. A calça logo tornou-se o objeto de estimação de Jacinto.

Dado ao tempo que tinha disponível, tornou inseparável da bezerra. Tinha a obrigação de alimentá-la, apesar de que todos na Fazenda, a cada oportunidade sentiam satisfação em tratá-la bem, alimentavam-na em abundância. Ela foi ficando crescida, de pelo liso, todos que a viam diziam ser uma beleza, cópia fiel da mãe, a grande vaca Medalha.

Jacinto passou a observar de forma diferente o animal. Estava sempre muito carinhosa, lambia suas mãos, braços e pernas. Jacinto retribuía com novos aconchegos. Tudo muito natural. Jamais, nas conversas dos amigos ouvira dizer que os rapazes aliviavam os desejos sexuais em vacas. Muito menos em bezerras rejeitadas. Mas, a bezerra era de estimação. Foi criada junto com as galinhas, brincava com as ovelhas e era amiga da égua baia. Pensando bem, estava muito parecida com os animais de hábito que os amigos costumavam se divertirem.

Naquela manhã de setembro, Jacinto percebeu que a sede da Fazenda estava mais tranqüila, menos povoada. Tinha apenas alguns agregados consumidos em suas obrigações, nada mais. Estava ele lá no fundo do quintal a procura do que fazer, quando de repente chegou a bezerra, portando-se do modo de sempre, carinhosa. Na cabeça de Jacinto, aquilo tinha nome, chama-se carinho. Assim, como quem não quer nada, foi direcionando o animal para mais longe da casa, seus pensamentos eram os mais sujos e absurdos possíveis. Mas, como fosse uma providência divina, antes que ele pudesse satisfazer seus instintos de macho, eis o que aconteceu. Ele ainda estava nos preparativos, tinha tão somente desabotoado o cinto e descido a calça branca alvejada até pés. Deixaria assim, pois, numa eventualidade seria rápido o bastante para se safar da situação sem ser notado. Não deu tanta sorte. A bezerra tinha mamado pra lá de dez litros de leite esgotado de duas vacas que tinham parido na noite anterior. Meu compadre esgotou-as e lembrou logo da bezerra. E, para desespero total do Jacinto, ela lembrou de se livrar do produto estragado justamente naquele instante, justamente dentro da calça do infeliz. Vale dizer, que foi em abundância, pois sobrou por cima do cinto, sem falar no que vazava pelas pernas da calça. Aquela, que a mãe de Jacinto fizera com tanto amor. Com dificuldades, dado ao peso da calça cheia, ele ainda conseguiu correr até o Córrego do Açude. Entretido, estava ele a mais de três horas quando o abordei e arranquei dele esta história, não sem antes prometê-lo que jamais contaria para o compadre nem a comadre. Cumpri a promessa, pois, não contei mesmo, mas, já que infelizmente eles faleceram mês passado, não poderia me furtar de delatar a todos o ocorrido com o Jacinto, este querido afilhado meu.

IVAN CORRÊA
Enviado por IVAN CORRÊA em 03/04/2011
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