MANDIOCA versus FUTEBOL
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Dizem as más línguas que nos países desenvolvidos em cada quarteirão tem uma livraria; no Brasil em cada quarteirão tem um boteco com uma televisão ligada falando de novelas e futebol
Vou tentar contar aqui, a conversa que tive com um de meus maiores amigos. Depois de relembrar um pouco de nosso tempo de estudante, caímos na época atual. Depois de hora de prosa, ele me disse que ia para casa ver o jogo do Brasil na televisão. Eu, achando ruim a prosa acabar lhe disse:
- Tem duas coisas que eu detesto de não gostar!
- Quais?
- Mandioca e futebol.
- Por quê?
- Mandioca é porque dá uma fartura danada. Você colhe um pé, planta outro no mesmo lugar e o único trabalho que tem é voltar para colher.
- E o futebol?
- Está igual novela na televisão, tem quase todo dia e se a gente gostar de jogar, até nas aldeias indígenas já fizeram um campinho.
- Então, porque você não gosta?
- Até que gostaria de comer mandioca de vez em quando, mas quando penso que tem milhões de nordestinos que são obrigados a comer todo santo dia, fico enjoado.
- E o futebol?
- Se fosse igual ao meu tempo de moleque, que a gente jogava por gosto e assistia com prazer, até que poderia ser.
- Como assim?
- Na minha infância não tinha computador, internet e televisão era só para ver o Zorro. Então, nossa maior distração era jogar bola e que belo esporte!
- Porque naquela época você assistia aos jogos na televisão e hoje não?
- Naquela época tinha jogos só de vez em quando e os jogadores jogavam pelo amor à camisa. Hoje jogam para quem paga mais.
- Mas toda profissão é assim, não é?
- É. Por isso não gosto mais de futebol. O Ronaldinho, por exemplo, começou a aparecer no futebol jogando pelo Cruzeiro. Nunca ouvi falar que depois de ser considerado o melhor do mundo, lembrasse que um dia passou por aqui. E o pior que os jogadores, mesmo ganhando fortunas, ainda são cobaias da mídia. Como o brasileiro é louco por futebol, o capital os usa para vender celulares, cervejas e o pior de tudo: Vende a ilusão porque os pais de família deixam de comprar leite para seus filhos para irem ao campo de futebol, beber e torcer por seu time. Chegou ao cúmulo de um juiz falar que o dia que passa jogo do Coríntians na televisão, a criminalidade em São Paulo cai trinta por cento.
- Você não está radicalizando?
- Não, o pobre povo brasileiro é ludibriado de tudo quanto é jeito. O futebol, coisa de bilhões, deveria ser um esporte sadio, sem brigas, sem bairrismo. Como é que pode um cruzeirense brigar com um atleticano, esquecendo que os dois são mineiros? E é a própria mídia que incita a rivalidade correndo atrás do tal de ibope que nada mais é que dinheiro. A mídia está fazendo com que nos grandes centros urbanos existam verdadeiras tribos futebolísticas; e o pior; em estado de guerra constante. Quando a gente vê esse povo junto, ao redor de um estádio de futebol, fica parecendo aquele povo do Oriente Médio, alucinados em suas seitas. A televisão hoje, vende briga para faturar, ensina mulher separar do marido porque um morando longe do outro são duas casas para consumir.
- Por que os dirigentes não tomam alguma atitude?
- Os dirigentes esportivos de hoje chamam o torcedor de “clientes”, como se o clube esportivo fosse um Shopping Center.
- E os políticos?
- Para aqueles lá é melhor ainda porque enquanto o povo está bebendo e torcendo, onde a bola sempre bate na trave; fica mais fácil para eles manusearem o bem público.
- Você não acha que está indo longe demais com esta história?
- Estou.
- Vamos tomar cerveja, comer umas mandiocas fritas e assistir o jogo do Brasil contra a China?
- Mas na China tem futebol?
- Não tinha não, mas agora o capital está tentando implantar porque lá tem muitos consumidores.
- Quem vai narrar?
- É o Galvão Veneno.
- Não é Galvão Vendendo?
- Depende da mandioca que você gosta mais.
- Não vou ver porque já sei onde esta mandioca vai parar.
- Onde?
- Sempre nas entranhas do pobre povo brasileiro que, desde que apareceu é obrigado a engolir tudo que os países ricos lhe obrigam a comer.
- Então, aonde você vai?
- Vou tentar escrever alguma coisa para ver se o brasileiro sai deste marasmo.
- Resolve?
- Muito pouco, mas quem sabe um dia!
- Até mais vê.
- Até mais lê...
JOSÉ EDUARDO ANTUNES