O BOM DA GRETA APERTADA
No meu Ceará agreste, lá nas brenhas do interior, tinha uma comunidade de nome Greta Apertada. O local fazia jús ao nome, sim senhor. Para entrar na vila tinha que se passar no meio de dois lajedos de pedras, se esgueirando, passando de banda. Essa vilazinha era conhecida em toda redondeza por realizar duas festas tradicionais no ano. Uma em fevereiro e outra em novembro. A primeira se chamava Fungando no Miudim e a outra, exoticamente de Amarrando o Cabresto. Basicamente, eram a fonte de renda da dita comunidade. Na fazenda do Coroné Libório, homem respeitado, um galpão era armado, todo de taipa e só com um único portão, preparado exclusivamente para o evento. A regra era simples: só entrava de casal e, quem entrava não podia sair, quem saía não podia entrar. O balaco-baco começava às 8 horas da noite e o pau cantava se encerrando, exatamente, às cinco da manhã. Coberto com palhas de carnaúba, o recinto tinha no seu interior de chão batido, penduradas nos quatro cantos, lamparinas de pavios curtos e úmidos de querosene, que eram acesas no início do bate-coxas e a claridade ia minguando, minguando, até tingir o local de pura escuridão. Lá no fundo, um quadradim, onde se postavam um sanfoneiro já famoso, conhecido como Zé Safado e um zabumbeiro não menos conhecido, que atendia pelo apelido de Dá no Couro. O rela-buxo só começava quando o local não reunia mais condições nem de socar um alfinete. O Coroné Libório era quem fechava o portão do galpão por fora e dava o sinal. Sacava do seu chifre de boi e soltava o seu aboio fazendo voar o que era de corujas e morcegos do mangueiral da fazenda. Zé Safado iniciava o xodó arreganhando as costelas da sanfona de oito baixos e Dá no Couro feria o couro do zabumba na marcação. A sanfona caía no choro e chorava, e chorava, se lastimando no miudim. O velho zabumba em seu som surdo, aos poucos, era acompanhado pelos gemidos das caboclas sendo apertadas pela cintura. A chama das lamparinas depois de uma hora, começava a bruxulear. A escuridão se aproximava. Os fungados aumentavam, de vez em quando um ai aqui, outro ai ali... Dá no Couro batia mais forte no zabumba exigindo concentração. Onze horas da noite, escuridão total. Fungados e ais se misturavam dando gosto, apimentando o miudim da sanfona que gemia feito uma cadela no cio. O galpão virava uma torre de babel. Línguas se entaramelavam, gente pedindo pra morrer, para o mundo se acabar, gente querendo ser partida no meio, e a sanfona gemendo, gemendo como muié parideira. Quatro e meia da manhã, Zé Safado e Dá no Couro paravam, cansados e suados. Cinco horas. Coroné Libório escancarava o portão. Aos primeiros raios de sol, os participantes saíam cambaleantes, apoiados uns aos outros, ensopados. Um cheiro salgado de suor e de ki-boa empesteava o ar dentro do galpão.
Novembro. Em Greta Apertada iniciava-se a outra festa. O padre da cidade vizinha, Alegria, vinha celebrar na vila o casamento e batizado coletivos dos jovens de Greta Apertada. Zé Safado e Dá no Couro presentes ao evento, coçando as costelas da sanfona e batendo na corcunda do zabumba, alegravam a todos com o miudim.