AS APARÊNCIAS ENGANAM, MAS ÁS VEZES AS CIRCUNSTÂNCIAS VALEM

AS APARÊNCIAS ENGANAM, MAS ÁS VEZES AS CIRCUNSTÂNCIAS VALEM

É verdade. As aparências enganam. E dificilmente se tem o conhecimento de alguém que se deixou enganar por ela, a fim de conquistar algum interesse, tenha se dado bem. Mas eu conheço um causo antigo em que tudo teve um final feliz devido às circunstâncias da época.

Contam que numa cidade interiorana de Minas Gerais existia um jovem de família muito pobre. Trabalhava em uma fazenda e era explorado pelo patrão. Fazia serviços na roça de sol a sol para ganhar uma miséria que não dava nem para comer. Mas mesmo nessa situação, não deixava de repetir uma frase que sempre o acompanhava: “Um dia vou ser fazendeiro e muito rico”. Seus companheiros de lida e os capatazes rolavam no chão de tantas gargalhadas que davam, e diziam ao jovem: - Você vai ser fazendeiro rico... (risadas) e como pretende fazer isso? Juntando dinheiro? (risadas). Todavia, ele não avexava. Continuava sustentando seus pensamentos nesse sentido. Certo fim de semana, ao passar pela cidade com seu pai e o compadre Mané, viu uma linda jovem que se portava de forma elegante, era filha de fazendeiro. O pai não a conhecia, mas o compadre sim, pois havia sido jagunço na fazenda do pai dela. O jovem pediu imediatamente informações a respeito dela. O compadre explicou de quem ela era filha, em qual fazenda morava e desestimulou o rapaz. Mas ele estava certo de que era o amor, pois nunca havia sentido aquela sensação antes e, dessa forma, estaria disposto a qualquer coisa para ficar com ela. Então, ao chegar a casa, pensou muito no quê fazer, tanto que esse sentimento o fez até esquecer-se de sua origem humilde.

Teve a ideia de visitar a casa da jovem. Mas que ideia maluca. Contou a novidade para seu pai que lhe disse:

- “Mas como fio, não tem ropá nem cavalgadura, não tem trem nenhum pra agradá a moça!!

Mas o rapaz revelou o quê ia fazer dizendo:

- Uai!! Vô tomá d’impréstimo essis trem do compadre Mané. Ele tem di tudu bom, sô!.

O pai lhe disse:

Má é locura fio... Num faz isso. Num tem como agradá nem di sustentá ela...

O moço não deu ouvidos ao pai, até parecia que estava certo do que fazia. Dessa forma, ele se aprontou muito bem dentro de roupas elegantes, embora meio desajeitado. Montou o cavalo como se fosse um rei. Nunca havia se vestido daquela forma e nem montado um cavalo como aquele. Além disso tudo, ainda teve de convencer o compadre Mané a acompanhá-lo, pois conhecido da família. Ao chegar lá, estavam na sala somente o pai da moça para recebê-los. Pois era indelicado mãe e filha permanecerem na sala quando os homens estivessem conversando. Por conseguinte, elas só se achegam no recinto com a permissão do homem da casa. O compadre Mané, então, apresentou o rapaz como filho de fazendeiro de outra região. Conversaram muito, mas o que o ele queria era ter uma oportunidade de ver a jovem. Após longa conversa, o pai permitiu que a mãe e ela viessem à sala e foram apresentados. Parece até o destino... não é que a jovem gostou dele também... Trocaram olhares timidamente... Nesse momento ele realmente se sentiu no mesmo nível que ela, esquecendo-se de quem era. Depois desse acontecido, o quê ele queria mais era ter um chance de encontrá-la para conversarem um pouco. Depois do almoço ele teve essa chance. A jovem saiu para a varanda e ele discretamente saiu também. Risonho e tímido, mas seguro de seu investimento ele disse:

- Êêêêêêêêêê!!!!! Casa di meu pai. Casa di mil luis. Lá, garfu tem cinco ponta. Pratu em se comi só si usa um-a veis. Êêêêêêêêêê!!!!! Casa de meu pai.

A jovem ficou admirada com a descrição que o jovem fez acerca da casa em que morava. Depois que as visitas foram embora, mais que depressa foi procurar seu pai que estava doido para casá-la mesmo e, disse:

- Paaaaaiiii!!!! ele é muiiiiiiiiiiiito rico!! Disse que na casa dele tem mil lustres. Que tamanho de casa deve ser essa pra tê mil lustres? Garfo lá é de cinco pontas... nunca vi um garfu de cinco pontas!! Prato!! Se usa uma vez só... Pai eli qué casá!!

Disse o pai:

- É fia!! Si é assim, vão casá logo. E tem di sê rápidu. Num tem nada di inrolá não...

Mandou então um recado para o jovem pelo compadre Mané. Quando o rapaz recebeu a notícia quase teve um colapso. O pai do jovem ficou preocupado com a notícia, mas o agora noivo estava muito alegre porque conseguira seu intento. Então o pai da moça preparou toda a cerimônia o mais rápido possível. A final de contas o olho grande nos aparentes bem da família do jovem, não o deixava pensar nem por um minuto que sua filha pudesse vir a perder um partido como esses. A jovem pensava a mesma coisa.

Após acabar a cerimônia de casamento, o rapaz recebeu uma charrete do pai da moça como condução, para que pudessem ir para casa dele. Não era perto. Andaram um bocado e à medida que iam andando, saíram da cidade e caminhavam léguas até escurecer e não tinham ainda chegado. Então, depois de caminharem muito, chegaram à fazenda onde o rapaz era empregado e morava de favor. Caminharam ainda bastante. Passaram as casas boas de lá, as casas ruins e foram caminhando. A moça achava aquilo estranho, mas não ousou a perguntar, a final de contas tinha de respeitar o marido. Em fim, chegaram bem de noite em um lugar desabitado onde tinha uma choupana baixa de estuque, tapada com uma palhoça rala. Em volta tinha uma plantação de inhame.

A então esposa, meio avexada com a situação que via, pela primeira vez decidiu abrir a boca e perguntar:

- É aqui??

Ele disse:

- Sim uaí... que acha??

- Mas que é issu?? Onde tá a casa de mil lustres e tudo o qu’ocê dissi?

- tá aqui memo, sô!!

- Ondi?

- Vem aqui dentru e óia pra cima. Óia quantas luis o criadô não fez pra nóis.

- E os garfu de cinco ponta??

- Óia pra sua mão, Deus num deu a nóis cinco dedo, sô!!!

Ela chorou...

- E us pratu?

- Us pratu são as foia d’inhami... só dá pr’ usá um-a veis.

A esposa então caiu em pranto mesmo, mas não podia fazer nada, pois estava casada e casamento era coisa séria mesmo.

Depois de algum tempo, a jovem, já conformada com aquilo, mandou recado para seu pai explicando toda a situação. Ele recebeu o recado com muita indignação, raiva, ódio, mas não podia fazer nada, porque já estavam casados. Não podia ferir a honra da família. Então resolveu enviar uma resposta a ela dizendo para que voltasse com seu marido que ele repartiria uma parte da fazenda para que o genro tomasse conta. Dividiria também uma parte do gado para ele começar sua própria fazenda.

Assim, tudo terminou bem. O rapaz tornou-se fazendeiro rico casado com quem gostou mesmo e, por outro lado, a moça estava casada com o homem que gostou e fazendeiro.

MENEZES, L. F.