RAÍZES DAS ARARAS GRANDES
Makinley Menino
O calor era para cavaleiros e suas montarias, e as noites geladas, tenebrosas para canoeiros advindos das confluências do rio Araçuaí e Jequitinhonha. Vila de interior, sertão, agreste mineiro, ilustre cabeça de minas e seus negócios. Havia comércio, mulheres e aguardente de cana. Suas pedras redondas renderam-lhe o nome de Vila Calhau e logo mais Araçuaí nome indígena, quer dizer Rio das Araras Grandes.
O laço estava pronto, a caça a caminho do seu destino trilhando a encruzilhada da sorte. Naqueles tempos era comum conquistar a laço indígenas desagregadas para o matrimônio, era a união selvagem com homens de negócios e suas terras recém fundadas daquele lugar considerado o mundo novo, a capital do norte mineiro.
Então deste elo, surge o Clarindo e sua esposa Filocelina. E fruto desse amor nascem quatro meninas. Uma delas quase devorada por uma grande sucuri que rodeava as margens daquelas águas. Os perigos eram constantes nessas terras de itinerantes, os dias, noites eram de intensas aventuras de rio e comércio na cidade.
A fatalidade acontece, quando Clarindo empreendedor do ramo de selarias, acomete-se de tuberculose, e sua família empalidece, estremece com um futuro incerto que só Deus sabe qual seria. O inevitável acontece, e Filó heroicamente resolve ir para a capital em busca de algo melhor.
Viajaram naqueles caminhões com varas longitudinais na carroceria em que os passageiros se agarram, o pau-de-arara. Depois a Maria fumaça, esse era o plano. Após três dias chegaram à praça da estação na capital, Filo e suas garotinhas.
Com perspicácia tornara-se dona de pensão e mulher de negócios, comprara muitas propriedades num lugar conhecido como Eldorado. Um bairro de ruas de terra e luz de lampião. Possuidora de gênio forte, mandona, durona e desembolada logo a chamaram de mãezinha. Esta mulher foi voluntária para prestar sua colaboração de tecer a mão agasalhos para nossos combatentes na guerra de 1945.
Nestas alturas, as garotinhas se tornaram moças, estas cheias de alento começaram a cantar e ficaram conhecidas como as irmãs Vieira. Suas vozes em coro soam até hoje como em encontros do sol com o amanhecer, como o sabiá que procura acordar com seu canto as flores da primavera. Como em filmes de grandes nomes e artistas, que percorrem tapetes vermelhos e que seus nomes estão escritos nas calçadas.
Acontecia ali a manifestação concreta da virtualidade das raízes, os nervos arvoríficos e seus ramos que darão nomes aos pais e filhos e suas vidas maravilhosas.
Mãezinha sofrera um enfarte, logo depois outro, até que não agüentou e foi ficar com seu saudoso Clarindo. Da sua primeira linhagem só há duas das irmãs Vieira. Os seus impulsos líricos e trovadores juntos transcrevem um legado a cada geração. Não há limites para nosso entusiasmo em estado de silêncio, nossa essência de superviventes. De qualquer forma, esses exercícios e desafios não planejados que a vida nos faculta abrem nossos olhos para a linha do tempo, é muito bom poder ver o Rio das Araras Grandes, seus canoeiros, Clarindo e Filocelina.
(Dedicado à Mãezinha-Filó)