A revolução

Era um dia como outro qualquer. Acordei e vi o sol nascer...

Como de costume no silêncio instalado, o andar de uma formiga que roubava um grão de açúcar se ouvia do outro lado. No interior é mesmo assim: raro é o barulho que perturba tanto sossego no pacato povoado.

Levantei bem calmamente, espreguiçando na borda da cama sentado, e me estiquei demoradamente, como costume e feitio me eram tão ambientado. Aliás, o que mais se tem em lugar pacato é costume! Parece que tudo que se faz é repetido com insistência, posto que no interior tem que ter muita paciência: todo mundo se conhece e é bem sabido: o que se faz ou que se fez serve até de referência!

Senti o pensamento diferente de outros dias, pois a idéia de pensar no repetido que eu fazia me deixou encafifado diria em demasia. Por instantes intriguei, e forçando as pestanas finalmente matutei:

- Diacho, que vida mais chata! Há tempos nada acontece diferente nesta minha terra ingrata.

De súbito então, uma idéia doida invadiu minha cabeça, e antes que dela eu esqueça, ou que deixasse escapar, forcei meu pensamento tão moroso a raciocinar:

- Seria legal fazer uma revolução! Mudar tudo por aqui, pois de novo nunca vi nada mudar aqui não. Mexer com esperteza todo um povo esquisitão, que por tamanha lerdeza, só funciona no empurrão!

Assim me prostrei a esta ação, levantando de repente com a força em minha mente, perturbada pela tal revolução; comecei os afazeres que me esperavam até então.

Mas a idéia louca pensada, no relance da minha espreguiçada, ganhava contornos de dramalhão! Encorpava, se criava... E cada vez mais me deixava o meu corpo entusiasmado por tenaz situação.

Em meio à divagação, me veio intenso a indagação:

- Que tipo de revolução se pode fazer em terra que não acontece nada não?

Então, forçando minha mente numa velocidade surpreendente, busquei imaginar coisa a ser experimentada, enquanto a água na chaleira pro café fervilhava, chegando enfim a seguinte sugestão:

- Farei uma revolução ao meu modo de ser, e o povo há de saber que mudança irá ocorrer. Vou pegar um livro antigo, e na praça da matriz, cantarei os versos gris de um poeta esquecido.

Dessa feita, parti para a empreita que havia concebido. Cheguei à praça esvaziada, onde a fonte luminosa, que estava horrorosa, no passar do tempo fora tristemente abandonada. Nem água ela jorrava e parecia uma ruína corroída do relento. No banco de madeira que ali próximo estava me sentei, e de forma empolgada enchi o peito e recitei.

Há cada verso declamado, percebia o povo atônito ouvindo tudo bem calado. Assim, uma euforia me invadiu e continuei o plano, pois dali ninguém saiu! Quando vi, toda a população da minha vila parada ali estava: do prefeito da cidade e do padre, do médico ao carteiro e toda a mocidade.

Não mais me continha do feito iniciado, e transbordando radiante a minha felicidade, pus-me a gritar como um louco desvairado. Num instante então, fui perdendo minha razão, por tanta gritaria sem nenhuma mediação, levou o povo da calmaria à constante indagação:

- Será que ele perdeu o senso? Ou pirou o cabeção? Mais parece um tresloucado totalmente sem noção...

Toda gente ali presente então xingaram de repente ao cordel que eu declamava. Ali pude conhecer a dura ira popular: ninguém deixou de dizer que eu estava a delirar.

A polícia então chamada na figura do capitão. Ele parou na minha frente, e sem demora, abruptamente, me deu a voz de prisão. Calei-me enrolado, em versos tão embaralhados e me vendo em solidão.

À minha frente toda uma gente, que a nada entendia do que acontecia não! Humilhado e vaiado, tampouco fui poupado dessa estranha situação, e na fúria o povo inflado vociferando um palavrão me clamavam de pirado!

Fui levado à prisão pelo crime sem perdão: perturbar a ordem pública tentando uma revolução. Aprendi a duras penas uma tremenda lição: que levar a poesia requer mais do que coragem ou boa intenção.

Utopia é pensar que se pode incitar sem nenhuma distinção; pra se fazer verso ou repente tem que ter muito talento pra encarar a multidão. Tudo o que eu incitei, pareceu ao povo eu sei como a uma alucinação. Relembro a cena engraçada: na praça do povoado, recitando um cordel em vão pra um bando de tapado!

...

Era um dia como outro qualquer. Acordei e vi o sol nascer... Só que agora quadrado!

Danilo Rodrigues de Castro
Enviado por Danilo Rodrigues de Castro em 27/03/2011
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