O Defunto Comeu a Farofa

O DEFUNTO COMEU A FAROFA

Viajando no tempo, às vezes me pego grudado nos acontecimentos da roça, onde a serenidade do campo, o sossego, a labuta e esperança por dias melhores, afloram na pele, pela fartura dos grãos e a certeza do sorriso farto nas faces dos nossos lavradores.

Mas não só de alegria vive o homem do campo.

Quando um vizinho da roça adoece, a solidariedade é mútua e todos sentem pela enfermidade, pois, a dificuldade daquela época, trazia para todos, o desejo da vida, através dos recursos que eles tinham.

O Seu Agenor homem já amadurecido pelo tempo, os setenta anos de idade, o rondava e o pobre homem sentia um mal que afligia a todos.Ele desmaiava e ficava horas desacordado e aquilo preocupava a família e aos amigos.

Os mais entendidos diziam que era a catalepsia.

Para aflição da família, o Seu Agenor ficou de cama como diziam e assim era um problema a mais, pois, era a engrenagem da casa e não podia parar.

Um caboclo que ajudava aos vizinhos nas empreitadas da capina, nas colheitas, ali a recíproca era mais que verdadeira, sem contar a religiosidade, onde era o festeiro mais velho da festa de São José, o santo fazedor de chuva.

A Dona Chica, esposa fiel e companheira, junto das filhas, acompanhava o drama na maior lida e de vez em quando falava:

- Óia Deus! Se fô de sua vontade, faça o que tivé de fazê! Mais, cura o meu Agenô!

Aquilo deixava os olhos marejados e o silêncio era inevitável.

Certo dia, o Seu Agenor chamou a mulher e disse:

- Ô muié! Arreune a famia e vem cá!

Aquilo causou espanto e lamento, pois, estavam todos preocupados com o velho.

Com a família à sua volta,ele diz:

- Óia pessoá! Eu tô ansim mei estrupiado, duente mais num fica triste não!

Naquilo o Seu Agenor desmaiou.

O Balbino que era amigo da família, muito apressado,apavorado e falastrão diz:

- Óia gente! Desta vêis foi pra sempre. Seja feita o vontade Deus! Num teve jeitio! Quêle discanse im paiz!

Aquilo foi choro daqui, dali, virou um alvoroço!Uns rezando, outros gritando. O Quincas curador, raizeiro da região passava as ervas do campo no corpo do Seu Agenor, olha, e nada...foi um barulho danado.

Sempre tem que ter um para cuidar do funeral, com a família no martírio, e cabeça quente, sempre aparece aquele que toma conta de tudo.

O Josué, era um cabra voluntarioso e amigo da família e o Seu Agenor confiava muito, a ponto de dizer que ele era um bom sujeito para se casar com a Maria, sua filha mais velha, das seis.

Naquele tempo, com a dificuldade, quem era enterrado em urnas ou caixão, eram poucos ou só os mais controlados.

O Josué e o Bastião foram ao cerrado, tiraram as varas de Aroeira, pois, o Seu Agenor era bem parrudo, como diziam, para aguentar o guerreiro tinha que ser madeira forte e resistente.

Feita a padiola, é hora do enterro.

O Balbino chega e:

- Óia gente! Chegô a hora e num tem jeitio!Já fais oitio hora que o Seu Agenô faliceu e agora é interrá, o home já tá inté com um chirim mei ruim!

Mais alvoroço!Lágrimas,lamentos e dor na despedida, com as filhas e amigos à sua volta, aquilo era de fato uma perda irreparável.

Na hora da saída, o Josué chama o Bastião seu amigo de capina, que já havia preparado o carro-de-boi, para levar o corpo, pois, o cemitério era há seis léguas dali, portanto a família preferiu ficar e deixar nas mãos de Deus e dos dois amigos, o corpo do Seu Agenor.

A Dona Chica, atordoada, mas, consciente disse:

- Ô Maria! Pega a farofa e bota na lata e ranja tamem um bule de café bem quente, pra mode eles levá, vai que dá fome no mêi do camim e eles come!

A Maria atende e coloca o pedido num embornal e pendura no varal do carro-de-boi.

E lá vai o Seu Agenor estrada afora, com os dois fiéis amigos.

Os dois amigos assentam no carro de boi com os pés quase encostando no chão e conversa vai, conversa vem, papo daqui, papo dali, lembranças das caçadas, dos goles da boa cachaça, das prosas arrumadas, tudo que o Seu Agenor participava, eles comentavam.

Já bem longe, mas, bem distante de chegar ao cemitério, o Seu Agenor que tivera somente um desmaio, porém mais longo do que das outras vezes, acorda varado na fome e vontade de beber um café, vai no embornal, retira a lata de farofa ,bota um pouco do café no copo e abastece o bucho.

O Bastião, sujeito bom de colher, que comia feito um burro diz:

- Ô Josué! Saco vazio num pára im pé!Vamo pará um pôco pra mode comer a matula uai! Desse jeito nóis num chega lá não!

O Seu Agenor, já com a barriga cheia diz:

- Óia gente!Inda sobrô! ôceis qué?

No que eles olharam para traz e lá o Seu Agenor com a boca cheia de farofa e o copo de café, não teve mato que segurasse os dois. O Bastião levou um tropeção e um pedaço do dedo ficou pelo caminho. O Josué que era mais gordo, gritava:

- Me ispera Bastião!

E o Bastião:

- Eu??? Cuida docê qui eu cuido de eu!

Eles estão correndo até hoje!

E para o Seu Agenor voltar pra casa?

Ah! Ai já é outra estória!

Depois eu conto!

Inté!Inté!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 18/03/2011
Reeditado em 07/08/2023
Código do texto: T2855116
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