Tá me chamando de mentiroso?

Era sempre assim: Um grupo reunido, trocando assunto, rindo das piadas, debatendo os acontecimentos assistido nos noticiários, assim ia vivendo esperando a hora que Deus mandasse chamar um por um. Somente uma coisa incomodava: a hora que o senhor Batata começava a contar suas histórias. No mínimo, histórias sem pé nem cabeça, visivelmente inventadas e impossíveis de ter, um dia sido um fato na vida daquele narrador, mas ele ficava bravo e irritado quando alguém insinuava que sua história não era verídica, ou que talvez tivesse sofrido acréscimo.

E lá vem ele com outra das suas. “Vocês não vão acreditar! Mas mesmo assim vou contar. Prestem atenção e depois me digam se acreditam ou não...Bem, eu estava resolvido a caçar, preparei a espingarda, cinqüenta chumbos de primeira e com a arma carregada fui à luta. Não demorou muito. Encontrei um bando de patos e de primeira vista, percebi que no mínimo tinha cinqüenta patos dos bons. Aí, não pensei duas vezes. Posicionado pra não falhar, fiz pontaria e tome chumbo.Pum! Foi na mosca! Quarenta e nove!”

- Desculpe-me, seu Batata. Não quero atrapalhar sua história. Mas, quarenta e nove de quê?

-Você me atrapalhou, seu besta! E nem prestou atenção no que eu tava contando. Quarenta e nove patos, seu lesma!

O pessoal começou a rir, mas observando a cara feia do seu Batata, resolveram fechar os dentes e continuar atentos ao grande caçador. A coisa poderia ficar feia. Era melhor não abusar.

- Como estava dizendo. Quarenta e nove patos caíram de uma só vez. Vocês que acham? Se fossem vocês, ficariam felizes com a boa tacada ou ficariam decepcionados?

Não esperou resposta. Nessas horas somente ele falava, e apesar das perguntas que fazia não esperava que alguém respondesse. Ia logo, colocando em palavras o que estava em rebuliço na mente frutífera e fantasiosa.

- Eu não estava satisfeito. Não, senhor! Fiquei tiririca da vida! Queria os cinqüenta... Pois sim, vejam o que me aconteceu. No dia seguinte, pra minha surpresa e satisfação, ao abrir a porta da cozinha, ouvi um voar desengonçado, e ao espiar pra cima me deparei com um pato voando meio esquisito, e apesar do esforço, deu uma guinada pra frente, uma pra trás, e por fim desistindo da luta, veio cair aos meus pés. Era a conta sendo fechada. Os cinqüenta patos foram acertados de uma só vez.

O pessoal disfarçava o quanto podia. Fazia força pra esconder o brilho dos olhos que denunciaria a incredulidade que reinava no grupo. Seu Batata, desconfiado olhava um por um, como não conseguiu captar qualquer gesto suspeito, se despediu do pessoal e foi contar suas lorotas em outra praça. Esperava que em outro lugar fosse mais considerado, porque aqueles vermes eram hipócritas e somente acreditavam quando viam as coisas cara a cara.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 16/03/2011
Código do texto: T2852010
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