Havia uma cruz no meio do caminho

Há muitas coisas sem explicação neste mundo, e só nos restam duas alternativas: ou acreditamos, ou duvidamos. Na hora do apuro, melhor não duvidar.

Antes dos automóveis chegarem por aqui, o transporte era feito por meio de cavalos, carroças e carros-de-boi. Uma viagem que hoje fazemos em uma hora, naquele tempo se levava até um dia inteiro. Por isso, quando alguém da roça batia as botas, não levavam o defunto para o cemitério da cidade, o enterravam por ali mesmo. Existiam os cemitérios rurais, onde todos os parentes que iam partindo dessa para a melhor eram enterrados. Depois da chegada do automóvel, essa prática foi abandonada, e os cemitérios também. Muitas vezes, a cerca era retirada e só deixavam uma cruz. Era muito comum, quase em toda fazenda tinha uma, e não eram poucos os relatos de gente que via luzes, ouvia vozes e barulhos estranhos nestes locais.

Já ouvi inúmeras histórias a respeito do assunto, mas esta aconteceu com meu pai.

Ele tinha um motor, uma espécie de moto, no estilo de uma vespa, só que maior. Era a sensação da época. Na fazenda Areião, enquanto todos andavam à cavalo, Seu Odorico tinha um motor a diesel. Mas, as estradas eram muito ruins, e logo o motorzão ganhou um defeito, uma manha. Não podia esquentar que apagava. Tinha que parar e esperar esfriar para pegar de novo.

A essa altura, Seu Odorico já tinha se enamorado de uma certa mocinha lá pelas bandas da fazenda Campo Alegre, que por sinal, veio a ser minha mãe: Dona Jaci. E o velho motorzão, com manha e tudo, trançava prá lá e pra cá a distância que os separava.

Só quem já se enamorou é que sabe. Quando se está junto se esquece do mundo, se esquece de tudo de todos. Em uma dessas visitas, conversa vai, conversa vem, Seu Odorico se esqueceu da hora e do defeito da moto. Já era muito tarde, só depois de um sonoro bocejo vindo por parte de minha avó materna, que velava o casalzinho, Seu Odorico se mancou e decidiu ir embora.

Entre a Fazenda Campo Alegre e a Fazenda Areião, havia uma cruz no meio do caminho, que inevitavelmente ele ia ter que passar. Todos dalí conheciam os relatos de pessoas que viram e ouviram coisas inexplicáveis quando passaram por esta cruz a noite.

Ele já passou ali inumeras vezes, nunca viu nada, mas nunca em uma hora tão avançada, e o motor com defeito...

Para se precaver, ele parou bem antes do local assombrado e deixou a moto esfriar, para não correr o risco do trem apagar bem em frente do perigo. Ia passar por lá bem depressa: “Se tiver alguma assombração lá, vou bem rápido que ela não me pega.” Pensou. Parou, esperou uns minutinhos para que o motor esfriasse e então ele o ligou, e começou a acelerar. Andou um bom pedaço, mas sentiu que a força tinha diminuído e que o motor parou de repente. O troço tinha apagado de novo, e bem de frente a tal da cruz, que ficava a poucos metros da estrada. Seu Odorico sentiu um frio na espinha. Desceu da moto, pisou no pedal tentou ligar, e nada. Sem olhar para a cruz, pisava, pisava, e nada do motor pegar. Suado de tanto esforço, de rabo de olho, notou que na direção da cruz, havia um homem de braços abertos vindo em sua direção. A poucos metros dele, a sombra das árvores atrapalhava, mas dava pra ver, de branco, usando chapéu, e cada vez mais perto, a coisa se aproximava. A moto nada de pegar. Se não saísse dali, a coisa ia alcançá-lo, e sabe Deus o que poderia acontecer. Não tinha muito tempo, só tirou as chaves, e deixou-a lá. Em uma carreira só, chegou até a porteira de casa, entrou e trancou-se apavorado. Não pregou os olhos, esperou o dia clarear e não contou a ninguém o acontecido, só soubemos disso, muito tempo depois. Só contou que a moto tinha estragado, e que teve que deixá-la no meio do caminho. Com a desculpa de arranjar ajuda para empurrá-la, juntou um par de irmãos e foi buscá-la. Quando chegaram no local, não acreditou no que viu. Mirou bem para o lado da cruz. Foi aí que ele sozinho, soltou uma gargalhada, que ninguém na hora entendeu. Nada mais era que a própria cruz que havia sido coberta por flores brancas, pois o Campo Alegre estava triste de seco, e como era costume na época, quando a seca chegava, ir aos pés da cruz mais próxima, rezar, enfeitar de flores e molhar o seu pé.

De longe, e de noite, dava até para confundir, pois tinha um aspecto parecido com a figura de um homem de braços abertos.

A luz do dia desfez o mal entendido.

Meire Boni
Enviado por Meire Boni em 11/03/2011
Código do texto: T2840746
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