OS FIOS DE OVOS

_Acorda Tôi! Tá na hora da lida!

_To ino Bastião,dexa eu lava o zói!

Mesma coisa de sempre na vida de Antonio e Sebastião, mas para Antonio era bem mais difícil, pois este tinha apenas sete para oito anos, nem se sabe direito, o menino nem era registrado e ficou órfão antes mesmo de nascer, porque seu pai morrera de morte morrida quando Dona Dolores estava no princípio da gravidez . Pobre “Tõi”, não sabia o que a vida lhe reservava, se soubesse nem teria nascido, ou talvez pela sua altivez, resolvesse mesmo enfrentar a sina que o destino lhe reservara.

Antonio era o filho mais jovem dos 14 de Dona Dolores, mulher simples, criada para ser mãe e dona de casa. Isso era comum no século passado. O menino recebeu o nome em homenagem ao finado pai, João Antonio, e ali naquele lugar , sul de Goiás, chamado Arrependidos, duro era nascer e não se arrepender, pois logo cedo o menino foi dado a criar para o irmão mais velho, que acabara de se casar e já tinha seu rancho nos arredores do vilarejo, mas a sua mulher ainda não tinha “encomendado cria”, assim o menino Antonio iria divertindo o casal. E foi aí que recebeu o apelido de “Tõi”.

Roçando pelo vale de Arrependidos, crescia, mesmo que raquítico e muito doente, “escapou por pouco” da maleita do vale. Aos poucos desdobrava o brejo e os caminhos que a vida lhe reservava.

Em casa dormia no borralho do fogão e logo cedo pela fresta do “pau-a-pique” era o Bastião que vinha lhe acordar.

Mas o pequeno Antônio, Tôi, sofria muito. Quando em um pouso de folia da fazenda de Arrependidos, tomou seu banho na bica da laranjeira, com sabão de banha e de lá vinha seu “pai-irmão” com uma espécie de faca com cabo de bambu, para raspar-lhe a cabeça, então Tôi correu pela moita de lobeiras, mas não adiantou, “entrou na faca”,porque o irmão odiava cabeludos e assim ficou de “cabeça lisa”, em seguida vestiam-lhe um calção de algodão cru, com um cordão na cinta, costurado à mão e muito limpo, já a camisa tinha sido do irmão, mas estava reformada e muito limpinha. Seus pés que sempre estiveram no chão agora ganhariam um par de “precatas de tiras” meio grandes, desajeitas, que o irmão costurou do couro curtido na paineira. Assim Tôi foi meio que contrariado para a festança de folia, depois de chorar de raiva por terem-lhe cortado o cabelo negro que dava quase na cintura.

O grande desejo do menino era agora chegar logo no pouso de folia, pois lá haveria comida à vontade e doces, ah! os doces!

Chegando lá o irmão e a esposa foram para a casa, o menino ficou de amarrar os burros no paiol com os demais e depois foi “espiar” os foliões. E como a reza já ia por do sol a dentro e a cantoria se estendia em rimas de dar sono, ele foi rondar a “panelada” que ficava na casinha da bica. E foi lá que Tôi viu as maravilhas que até então só podiam existir em sonhos. Eram nada mais, nada menos que umas doze tachas de doces que seriam servidos após a reza do terço. Mas dentre todas, a que mais lhe chamou a atenção foi aquela que reluzia e borbulhava, o doce chamado “fios de ovos”.

Nem precisamos imaginar o que aconteceu, se coloque no lugar dele, isso mesmo ele se lambuzou do doce, comeu tanto e puxava os fios como se não fossem mais acabar e aquele brilho lhe fascinava.

Terminada a reza as mulheres e foliões foram, como de costume servir os doces em pratos esmaltados, bem cheios. E Tôi, já do lado do “irmão-pai”, como se de nada soubesse e nunca tivesse visto os doces rejeitava a cada um e ninguém o entendia, apenas insistiam e de nada adiantava.

Já no caminho de casa, bem tarde, montado no burro, mal se agüentava e nada podia falar. Em casa passou a noite na moita do lado da bica. Ninguém percebeu e na manhã seguinte lá vinha o Bastião:

_Tôi, eh, Tôi acorda ta na hora da lida!

E Tôi, menino travesso, sofrido, depois de uma noite sem dormir, 8 anos, cabeça raspada, pé no chão, lá estava indo pra lida com a enxada nas costas.